terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Parvo

O tempo corrói, impávido, a mola mestra do meu ser
E mostra os palpos roxos, voz atávica que ressoa
Esvai meu pranto, me esvazia sem vontade de chorar
Emudecido, comovido, contorcido em quase-desespero
Está tudo torto, tudo torpe, tudo sem maior sentido
Mas não dou ouvido: desentorto, me esqueço e paro de escrever.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Mnemosine

O fátuo incandescente da paisagem proponente espia, afoito, a prole insólita de um par de vestes, macho e fêmea, a bailar dolente no canto escuro da sala. É o contraponto entre claridade e escuridão, dialética amorfa de euforia e dor que esclarece os imbróglios severos e enternece desejos sinceros.

A sorte do amor tranquilo, decantado do poeta, é a sintonia fina da justa medida que me acalma a escolha, tão solene e serena, e enfeita o assoalho com decalques de belos dias, desabafos e juras de uníssono.

A paixão desolada, desprovida de concretudes, foi guardada na rememória, que aciona e repisa dores de ontem. O fato presente, tão ardente, é fogo que acende e água que massageia, em um bailar infinito de certezas proclamadas.

O amor que tenho, obra de alvenaria, é a face mais bela do imprevisível: de encruzilhadas e descaminhos, encontrei meu leito abraçado ao peito de quem sempre esperei, com ondas que batem cálidas na arrebentação e que me firmam nas correntezas.

domingo, 29 de novembro de 2015

Reviravolta

Concreto, o afeto é marca e névoa que clareia a alma, lívida, onde antes, impávida, doía fundo a amargura e ecoava a dor de amor. Ciclicamente, amar, desamar e amar para sempre, e de uma vez por todas, é lema de quem se entrega a cada passo e se aperta, guloso, no passo empertigado para te encontrar e te beijar uma vez mais.

Em brasa, marquei em prosa o que antes era verso, e fui mais prosa sem deixar de ser poesia, em uma reviravolta concreta de quem, agora, finalmente enxerga a felicidade na palma da mão, o passo encantado, torto como o meu, que manca e me manda seguir adiante, amado e amante, como quem vê o futuro ali na esquina.

Primavera, azul devaneio, quina sem rima, teus lábios grossos e as mãos tão finas, os dotes de fada e, é foda, o calor de mulher que me abrasa e me abraça toda vez que meu corpo encosta o seu. Barco sem vela, deriva boa, rumo sem horizonte e com todo o infinito do mundo: amei tantas vezes e fiz tantas juras de papel que, na reviravolta das concretudes, uni minhas fossas às suas para fazer eternidade.

Parágrafo final: amo a escova, o perfume e o pó. O pó que passo no rosto, que alivia lividamente o branco-azedo e me traz você a cada banho, tua lembrança e teu cuidado, o seu sono velado, a jaqueta jeans e o sonho, tão puro, que vê leveza no calor uterino de quem não tem útero mas ama, das entranhas, quem veio pra cá e tomou conta de tudo.

domingo, 16 de agosto de 2015

Catacumba

Não comi o sofrimento de colherada ao nascer
E nem colhi suas vestes, negras de luto e pavor
Fui amamentado com os dotes da segurança e da persistência
De quem esperou sem saber se chegaria

O encontrei, pela primeira vez, em uma carta sem resposta
Rabiscada em caneta roxa numa folha pautada
E tive a dor martelada com seus espinhos nas palmas das mãos
Encravada, tão vizinha e soberana

Vivi interregnos de felicidade, tréguas comigo mesmo
Tempos de ardor e amor, eras de sobrepeso
Onde carregava a delícia e o fardo de querer tanto
De quem arrisca as pedras na sorte da roleta

Destronado, fui poeta e pintor, saltimbanco e boxer
A questionar onde deixei cair minhas preces
Encantado com a morte perfeita que a vida reservara
Ao lado de quem amava, tantos anos, tantas caras!

Hoje, sou todo lembrança e coração, amarrado na cama
A bater teclas e espiar livros, na esperança vã do tempo passar
Gostaria de dormir hoje e acordar velho
Mas sei que, amanhã, vou gostar de ver o tempo chegar

Minha alma está morrendo comigo vivo, em chamas
Mas não peço ao amigo sofrimento sua dose errada
Quero me recompor, ressarcir o meu amor por mim mesmo
E perseguir, feito doido, a plena felicidade que nunca virá

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

A Cruz

A dor de cada peito é medida por uma balança muito pessoal. Meticulosa como a granulagem de um papel-cartão, a dor e a delícia de viver, com suas nuances de efemeridades e pequenas promessas de eternidades só pode ser mensurada, de fato, por quem fez e ficou pra contar. Tenho, com meus amigos, a experiência-irmã de dividir perdas e ganhos que se sucedem, como pesos em uma balança, no decorrer de anos e anos, mudando-se apenas os nomes dos personagens relatados. Por sorte, embebido em amor e cuidado, posso contar o meu lado e ouvir o perdão, em nome da humanidade, daqueles que compreendem meus tropeços. Eles são meu verdadeiro apreço.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A Dama de Ferro

Acordei e percebi minha alma torta
E teu retrato na parede, redivivo
Ajeitei a alma e acarinhei a película que te protege
Em um ato prolongado e massivo, quase herege

E me pus a vasculhar suas lembranças, te procurar nos escaninhos
Tão sozinho que a saudade já nem cabe
Pus sapatos que me apertaram, paletós que me folgaram
E me sinto até agora sem tamanho, como se algo quisesse explodir em meu peito

Me faltam palavras, rimas e verbos, estou com defeito.
Espero, então, pelos milagres de uma não-concretude
Que vê beleza nos erros e dissimulado perfeccionismo nos acertos
Pois nessa falsa dicotomia entre o preto e o branco, sou teu tom cinza

Regresso ao tempo em que éramos suspeição
Flores de plástico, chegadas e partidas apressadas
Desconfiados pelas dores, nos entregamos ao que havia de ser
E redescobrimos, juntos, os prazeres do ter

Desfizemos passos conjuntos de uma firmeza tremenda
E reunimos os nossos, pés grandes, em um caminhar infinito
Com olhos postos no horizonte, num olhar tranquilo e perdido
De quem sabe o que quer, mas não como virá

Te dei minhas mãos, meu pensamento e meu futuro
Mas hoje, calado, é que te dou em dobro:
Sem ter poesia em minha vida nem para criar uma rima, não consigo traduzir
Em mim, só a emoção e a saudade, emudecidas, versejam
Estou abarrotado de amor



terça-feira, 11 de agosto de 2015

Fogueira

Na noite quente de agosto, o breu transbordou
E fez enxergar, sem nada ver, o lume da alma
Dois palmos a frente, a alegria e a calma
Quatro palmos do chão, o sorver da serpente

Há curare em cada medo, em cada passo atrás
E a cura das sofreguidões do temor está no fato.
No espalhafato das virtudes e paixões, no ato
Em cada verso teu que, esguio, explano e cato

No par de velas à mesa branca, vi bailar os teus sinais
E me entreguei, em parafina, às brasas e metais
Aço de vontade e destemor, cera derretida de meus medos
Já não faço mais segredos, e juro em prosa aos seus iguais

No apagar das luzes, vi minha alma em carne viva
E abrasei, inteiro, meu couro e meu coração
A lesma, no conforto do caracol, não vê o sol
É momento de ascender a ele e acender meu cais:
Meu porto seguro, meu fogo-fátuo no escuro