sábado, 27 de setembro de 2008

Todo Dia... É Dia!

Ok. Vamos pensar com calma o quanto cabe em trezentos e sessenta e cinco dias. Cabe o Mundo inteiro? É, talvez caiba. Cabe um instante só? Não. Não há ano que dissolva um momento tão grande quanto aquele. E ainda que baixem um decreto para que fevereiro tenha vinte e nove dias todo ano e trinta de quatro em quatro anos, não vão conseguir fazer de um só ano grande o suficiente. Quem criou o tempo fomos nós, eu sei. No entanto, mais do que contar voltas do ponteiro, aprendemos desde os primeiros dias de nossas vidas que o tempo que vale mesmo é o que está dentro da gente. É o tempo da memória e das vontades. É este tempo-enxurrada, de verdade, que foge das mãos do tempo de mentira como um pássaro que desconhece perigos ou pudores. E aí o tempo de mentira vem nos lembrar de que nos restam setenta, sessenta, cinqüenta anos... E assustam ao nos lembrar que, cinqüenta anos atrás, éramos em essência o mesmo que somos hoje. Ao fim das contas, viemos pra cá com a condição de não ver tanta coisa assim. E crucificados nos ponteiros do relógio... No tempo dos outros, vivo há um ano o que de melhor poderia me vir. Encontrei na noite chuvosa de uma praça largada a companhia que com mais perspicácia compreende o meu tempo. Fizemos um pacto: nada de sessenta anos pela frente. Nada de cabelos brancos, filhos, netos e bisnetos. Nada de ver o tempo passar, de viver pelo que foi feito e de abraçar todos os dias lembranças diferentes. Nada de lembranças diferentes. Só me basta uma. Só me basta a lembrança de que ali, no dia vinte e oito de setembro do tempo dos outros, me encontrei com a minha essência embaixo de um guarda-chuva. E decidi não ter muito do que lembrar, ao posto que viveria todos os dias o mesmo encontro. Afinal, o que mais poderiar querer do que o encontro com o meu próprio sonho? Materializado, sonho que veio até mim e minha essência advinda de meu tempo deram as mãos e caminharam pelos passos da eternidade. Já não se fala mais em décadas e proles. Hoje, meu pedido é para que o tempo dos outros seja quebrado para nos deixar passar. E, que ao invés de viver mais sessenta anos com lembranças médias e moderadas como os que ainda não se encontraram, possa viver só mais um segundo. O segundo derradeiro em que selei meu destino e iniciei o meu percurso. Ali, naquele segundo, eu fui feliz pela vida inteira. E sei que, na vida inteira, eu viverei por uma só lembrança: aquele segundo.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Aos Que Enfrentam o Medo

Neste quase-ano que passou, encontrei no perfume que colou feito decalque em minhas mãos a resposta para o que tantos procuram: sim, ela está sempre comigo. E pode parecer piegas afirmar que não há dúvlda alguma sobre a legitimidade desta afirmação. Consigo estar sempre ao lado de alguém que - ainda - não posso tocar em todo o tempo. E se não há o toque, há ao menos a alma que pulsa ao mesmo tom e o perfume de um segundo que enfrenta o medo de ficar sozinho e se multiplica por todos os minutos que ainda haverão de vir.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Tudo, Tudo, Tudo...

Nada pode ser mais certo do que uma boa dose de erro naquilo que acertamos. Sim, explico. Nada pode dar tão certo sem que dê um pouco errado. E nem é a alma que erra não... Nem a mente, tampouco o coração. O erro vem por si só, como um pequeno buraco negro que surge e desaparece em contato com a atmosfera. Nesta noite quente e estrelada, desejo que dos erros nasçam flores - como sempre nascem. Erros que são tão pequenos perto do tudo que se tornam pequenos ao olho nu, mas palpáveis ao pensamento. E eu penso o quão importantes eles são para, daquilo donde deveria vir a dúvida, florescer a certeza. Certeza de que erros são tão pouco perto do tudo.

sábado, 6 de setembro de 2008

Feijão com Arroz

Poucas coisas chamam tanto minha atenção quanto um pôster de evento que já passou. Ali, na parede da composição do metrô, o aviso de algo que já foi me lembra de que o tempo só fica parado quando alguém nos lembra disso. O ponto de encontro entre os que bateram os olhos naquele pedaço de papel colado no vidro é a vontade de descobrirem juntos, cada um por um caminho, um bom lugar para ir. Eu preferi o lugar-comum. E lugar-comum é segmento, pois! Assim como nos Estados Unidos há uma massa de tomate que é vendida em apenas um tamanho e sabor e os Ford Bigodes dos anos trinta eram sempre da mesma cor, escolhi o samba de uma nota só. A mesma cor, o mesmo tamanho, o mesmo cheiro, o mesmo sabor, o mesmo tom de voz, os mesmos olhos - menos quando bate o sol! - os mesmos cabelos - mais longos, mais curtos, repicados ou escovados - e, pasmem, o mesmo nome. Na cozinha industrial dos relacionamentos pós-modernos, fiz banquete de um ingrediente só. E não foram os temperos enumerados nas páginas da Capricho ou da Nova que me fizeram dar sabor adicional ao que sempre foi prato dos mais saborosos. É sabor que entra pela boca e circula por todo o meu sangue, contagia meu paladar e meu olfato com a sua textura e a sua fragância, invade todos os meus órgãos e ossos, exala de minha pele as notas musicais que encontram uníssono e repetem um mesmo nome, um mesmo chamado. Até meus olhos, tradicionalmente com as pupilas apontando para baixo e os cílios cerrados se abrem mais felizes com a luz que me alcança e faz as íris castanhas mudarem de cor e beirarem o mel. Me tornei usuário de um processo contínuo de otimização de meus sentidos acionado através de três palavras curtinhas que, sempre na mesma ordem, me despertam para as novas formas: "eu", "te" e "amo". Afinal, a melhor coisa do Mundo é degustar o prato mais simples das presenças desarmadas e das palavras curtas e simples: ativar o eterno através do simplório. Assim, cem anos de solidão desaparecem ao chamado de um segundo de encontro. E, por diante, um ano vivendo do mais simples e fascinante dos sentimentos equivale a incontáveis experiências com o que o ser humano tem de melhor - um prato que todos podem preparar, saborear e contar a receita. O meu, tenham certeza, será sempre servido no mesmo lugar e ao mesmo chamado.