terça-feira, 21 de junho de 2011

Educação Especial versus Escola Inclusiva: uma guerrilha ufanista em que todos saem perdendo

Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), poucos sabem, foi o primeiro ministro da educação do Brasil. Responsável pelo Ministério da Instrução Pública durante o governo provisório do marechal Deodoro da Fonseca, Constant deu continuidade às políticas públicas que desenvolvera nos últimos anos da monarquia, e que mantém ecos na educação brasileira até os dias de hoje. Duas delas, em especial, se tornaram parte do cenário da cidade e formaram milhares de cidadãos nos últimos 120 anos: o Instituto de Educação, nascido Escola Normal da Corte, e o Instituto Benjamin Constant, antigo Instituto Imperial dos Meninos Cegos. Mais do que duas escolas, as instituições representaram um marco na inclusão social durante o ocaso do Império, e sinalizaram para as reformas liberais que a Princesa Isabel pretendia adotar no país. Mais de um século depois, o Instituto Benjamin Constant tem na ponta de seu longo processo de sucateamento a ameaça real da desativação. Autuado pelos entendidos de plantão como segregacionista e atrasado, tem defendida a sua substituição pelas salas de aula convencionais em que as crianças cegas conviveriam com colegas "videntes" do ensino fundamental.

É doce o sabor do discurso em prol da escola inclusiva. Ninguém discute que uma sala de aula deve estar preparada para receber alunos de todas as origens e limitações. Também não é difícil defender que a convivência saudável entre uma criança portadora de necessidades especiais e outra que se desenvolveu sem elas pode trazer benefícios para ambas. No entanto, são notórias as dificuldades da rede pública de ensino em prover as mais elementares necessidades para a atividade. Como imaginar que uma escola que não tem um quadro negro em bom estado possa disponibilizar o ensino do método braile, que requer aparato especial e profissionais treinados? Em se tratando dos surdos, haverá intérpretes de Libras em número suficiente? A resposta, a despeito das boas intenções de muitos diretores que trabalham com a inclusão em suas instituições, é tão pronta quanto o discurso doce dos defensores intransigentes da inclusão no ensino regular.

Ao agir em defesa da extinção progressiva dos estabelecimentos de educação especial, o ministro Fernando Haddad fecha as portas para a mão-de-obra especializada presente hoje nestas instituições, toda concursada nos anos 70 e 80 e em fim de carreira. Ajuda a encerrar também as relações quase familiares existentes entre o núcleo de alunos, funcionários, pais e professores do IBC e assume os riscos e responsabilidades que o discurso ufanista da inclusão a todo custo trará. Assina, finalmente, o sepultamento de uma das mais bonitas páginas da inclusão através da educação já escritas no Brasil: a luta do educador positivista Benjamin Constant, que acreditava na universalização do ensino e que em todos, independentemente de suas limitações, é possível despertar o conhecimento e o sonho de construir um novo país. Extinta em breve a casa histórica, entregam-se também os cegos à mediocridade da grade curricular convencional.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Biblioteca Nacional: descaso com a memória é queima de arquivo


O Paiz, uma daquelas publicações que deram origem a todas as outras, foi muito mais do que um órgão oficioso da República Velha. Foi, à moda da Tribuna da Imprensa, uma das maiores vítimas da intolerância política da história brasileira. Perseguido em seus primórdios por monarquistas, viveu anos de primavera durante a proclamação e consolidação da República. Foi só Washington Luiz sair preso do Catete para que uma turba enfurecida invadisse, empastelasse e incendiasse a redação do jornal, em 1930, em um dos episódios mais marcantes da Revolução. Pois bem: os alfarrábios da Biblioteca Nacional revelam dois outros períodos de publicação da histórica folha de Quintino Bocaiúva, ambos de curta duração: 1934 e 1968.

Em 1934, durante o sopro democrático da Assembléia Constituinte, fez circular moderadas críticas ao governo Vargas. Foi o suficiente para que, tão logo Getulio fosse eleito indiretamente, saísse de cena. Estes meses surgem, para espanto dos pesquisadores, ao fim da coleção do jornal e não aparecem nos catálogos da Biblioteca Nacional.

Se o pouco cuidado com a coleção de 1934 chama a atenção, a destruição da memória de um dos maiores jornalistas brasileiros gera perplexidade. Em 1968, por outro curto período, Joel Silveira relançou O Paiz como um jornal de esquerda. O discurso combativo de Joel, marxista da velha guarda, pôs fim à trajetória do diário com o AI-5. O escândalo mora aí: a publicação "subversiva" aparece nos catálogos da biblioteca como disponível. Consulta-se o acervo, e nada. De lá, desapareceu misteriosamente com outras publicações de vanguarda.

As duas primeiras edições de O Tico-Tico (1905), subtraídas das prateleiras da instituição em ação inviável sem a conivência ou imprudência de seus funcionários, se revelam como uma pequena parte do descaso maior do povo brasileiro: o ato contínuo de apagar, dia após dia, sua História e seus personagens.

Entregue no governo Lula à presidência de Muniz Sodré - homem das salas de aula e das diatribes sobre a notícia - e desde janeiro ao jornalista Galeno Amorim, convive com seguidas greves de seus servidores e tem o processo de digitalização de seu acervo estacionado há anos. Disponível na Grande Rede em doses homeopáticas, o acesso às publicações para pesquisa pessoal ou inclusão em trabalhos acadêmicos é vinculado ao pagamento de taxas abusivas, muito superiores ao custo da cópia ou mesmo da mão de obra para se transformar um microfilme em papel impresso. Seus microfilmes, aliás, sofrem com o desgaste do tempo e os freqüentadores reclamam do mau estado do equipamento necessário para a leitura nesta obsoleta tecnologia.

Outra nota triste: a digitalização da Última Hora em seus tempos áureos é toda feita em São Paulo, no acervo público estadual. Um dos títulos mais tradicionais da imprensa carioca, pioneiro no jornalismo popular, tem sua memória preservada por uma instituição distante dos grandes nomes da UH que poderiam auxiliar no processo de preservação. O resultado: escaneia-se a folha, mas não se revive o jornal.

Preservar a memória é um ato contínuo, muito mais nobre e trabalhoso do que a mera reprodução. É unir a alma de cada publicação, extinta ou corrente, a seus personagens, leitores e pesquisadores. Só assim é possível escapar da queima de arquivo que condena títulos que contam a história do Brasil ao mesmo esquecimento a ela relegado.