domingo, 29 de novembro de 2015

Reviravolta

Concreto, o afeto é marca e névoa que clareia a alma, lívida, onde antes, impávida, doía fundo a amargura e ecoava a dor de amor. Ciclicamente, amar, desamar e amar para sempre, e de uma vez por todas, é lema de quem se entrega a cada passo e se aperta, guloso, no passo empertigado para te encontrar e te beijar uma vez mais.

Em brasa, marquei em prosa o que antes era verso, e fui mais prosa sem deixar de ser poesia, em uma reviravolta concreta de quem, agora, finalmente enxerga a felicidade na palma da mão, o passo encantado, torto como o meu, que manca e me manda seguir adiante, amado e amante, como quem vê o futuro ali na esquina.

Primavera, azul devaneio, quina sem rima, teus lábios grossos e as mãos tão finas, os dotes de fada e, é foda, o calor de mulher que me abrasa e me abraça toda vez que meu corpo encosta o seu. Barco sem vela, deriva boa, rumo sem horizonte e com todo o infinito do mundo: amei tantas vezes e fiz tantas juras de papel que, na reviravolta das concretudes, uni minhas fossas às suas para fazer eternidade.

Parágrafo final: amo a escova, o perfume e o pó. O pó que passo no rosto, que alivia lividamente o branco-azedo e me traz você a cada banho, tua lembrança e teu cuidado, o seu sono velado, a jaqueta jeans e o sonho, tão puro, que vê leveza no calor uterino de quem não tem útero mas ama, das entranhas, quem veio pra cá e tomou conta de tudo.

domingo, 16 de agosto de 2015

Catacumba

Não comi o sofrimento de colherada ao nascer
E nem colhi suas vestes, negras de luto e pavor
Fui amamentado com os dotes da segurança e da persistência
De quem esperou sem saber se chegaria

O encontrei, pela primeira vez, em uma carta sem resposta
Rabiscada em caneta roxa numa folha pautada
E tive a dor martelada com seus espinhos nas palmas das mãos
Encravada, tão vizinha e soberana

Vivi interregnos de felicidade, tréguas comigo mesmo
Tempos de ardor e amor, eras de sobrepeso
Onde carregava a delícia e o fardo de querer tanto
De quem arrisca as pedras na sorte da roleta

Destronado, fui poeta e pintor, saltimbanco e boxer
A questionar onde deixei cair minhas preces
Encantado com a morte perfeita que a vida reservara
Ao lado de quem amava, tantos anos, tantas caras!

Hoje, sou todo lembrança e coração, amarrado na cama
A bater teclas e espiar livros, na esperança vã do tempo passar
Gostaria de dormir hoje e acordar velho
Mas sei que, amanhã, vou gostar de ver o tempo chegar

Minha alma está morrendo comigo vivo, em chamas
Mas não peço ao amigo sofrimento sua dose errada
Quero me recompor, ressarcir o meu amor por mim mesmo
E perseguir, feito doido, a plena felicidade que nunca virá

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

A Cruz

A dor de cada peito é medida por uma balança muito pessoal. Meticulosa como a granulagem de um papel-cartão, a dor e a delícia de viver, com suas nuances de efemeridades e pequenas promessas de eternidades só pode ser mensurada, de fato, por quem fez e ficou pra contar. Tenho, com meus amigos, a experiência-irmã de dividir perdas e ganhos que se sucedem, como pesos em uma balança, no decorrer de anos e anos, mudando-se apenas os nomes dos personagens relatados. Por sorte, embebido em amor e cuidado, posso contar o meu lado e ouvir o perdão, em nome da humanidade, daqueles que compreendem meus tropeços. Eles são meu verdadeiro apreço.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A Dama de Ferro

Acordei e percebi minha alma torta
E teu retrato na parede, redivivo
Ajeitei a alma e acarinhei a película que te protege
Em um ato prolongado e massivo, quase herege

E me pus a vasculhar suas lembranças, te procurar nos escaninhos
Tão sozinho que a saudade já nem cabe
Pus sapatos que me apertaram, paletós que me folgaram
E me sinto até agora sem tamanho, como se algo quisesse explodir em meu peito

Me faltam palavras, rimas e verbos, estou com defeito.
Espero, então, pelos milagres de uma não-concretude
Que vê beleza nos erros e dissimulado perfeccionismo nos acertos
Pois nessa falsa dicotomia entre o preto e o branco, sou teu tom cinza

Regresso ao tempo em que éramos suspeição
Flores de plástico, chegadas e partidas apressadas
Desconfiados pelas dores, nos entregamos ao que havia de ser
E redescobrimos, juntos, os prazeres do ter

Desfizemos passos conjuntos de uma firmeza tremenda
E reunimos os nossos, pés grandes, em um caminhar infinito
Com olhos postos no horizonte, num olhar tranquilo e perdido
De quem sabe o que quer, mas não como virá

Te dei minhas mãos, meu pensamento e meu futuro
Mas hoje, calado, é que te dou em dobro:
Sem ter poesia em minha vida nem para criar uma rima, não consigo traduzir
Em mim, só a emoção e a saudade, emudecidas, versejam
Estou abarrotado de amor



terça-feira, 11 de agosto de 2015

Fogueira

Na noite quente de agosto, o breu transbordou
E fez enxergar, sem nada ver, o lume da alma
Dois palmos a frente, a alegria e a calma
Quatro palmos do chão, o sorver da serpente

Há curare em cada medo, em cada passo atrás
E a cura das sofreguidões do temor está no fato.
No espalhafato das virtudes e paixões, no ato
Em cada verso teu que, esguio, explano e cato

No par de velas à mesa branca, vi bailar os teus sinais
E me entreguei, em parafina, às brasas e metais
Aço de vontade e destemor, cera derretida de meus medos
Já não faço mais segredos, e juro em prosa aos seus iguais

No apagar das luzes, vi minha alma em carne viva
E abrasei, inteiro, meu couro e meu coração
A lesma, no conforto do caracol, não vê o sol
É momento de ascender a ele e acender meu cais:
Meu porto seguro, meu fogo-fátuo no escuro

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Eletric chair

Os sulcos na pele antiga traduzem tantas perdas...
E explodem, convulsos, a desembaralhar dores recentes
O velho, sorridente, expunha humildade e ardor
De quem sente o peito arder de angústia e amor

De mãos ao volante, se pôs ao rosário
E enumerou quem se foi e quem ainda ficou
Na carona, meio século atrás, a sorte de quem não tem
De quem não se prendeu e ainda não fez

Pois sorte, ambígua como humor, tem cara e coroa
E faz ouvir os dramas de quem vive e morre um pouco a cada dia
Não se recusa cavalo encilhado. Não se nega um beijo ardente.
Nas flores que brotam no âmago, sobrevive uma estrela cadente.

Todos caminhamos, feito horda, ao mesmo destino
E embalamos, na pele que esfria, tudo o que fomos e tivemos
Quero ter o amanhã bem hoje, pois temo seu poente
Para poder desfolhar meu buquê de perdas e ganhos...

E quero uma coleção bem composta, um amor sem tamanho
Que reúna em minhas mãos tudo o que mais quero:
Três caras de criança, um rosto redondo e outro afilado
Ter o que perder, o que viver, a quem sonhar ao meu lado


domingo, 9 de agosto de 2015

Garrote vil

Há ilusões, nereidas, no fundo do mar
De uma tarde ensolarada, da brisa que vem
E escurece, soturna, ossos alquebrados
Para logo o vento virar, mudando com ele o destino

Um dia abracei o mundo, menino, e fiz dele temporal
Dilúvio de ideias e propósitos que me insuflavam
Delírios de palavras e reinos, sonhos sem igual
Alcovas e caminhos, cores e vinhos cheirosos

E tantos versos garbosos, tantas juras de amor
Tantas declarações e serenatas sem cor
Tantos propósitos óbvios e promessas a juros
Tantas vezes o teu nome, o teu perfume e a tua voz

Que quando pus a pensar em nós, o fiz solenemente
Abarrotado de proposições, ao somar concretudes
E fiz de uma vida de esquadros, teus dotes e curvas
Para te imprimir, com teu jeito, em minha carne e meu espírito

Acordado, penso aqui em acolá
E quando deito o travesseiro, sou razão de mim mesmo
De quem alvorece e quebra firme o riscado do chão
De quem anoitece e espanta mosquitos, vagalumes e incertezas

E lavo com a altivez de um trovão, suas roupas sujas de um dia
Como quem esfrega na própria alma a refrega de outrora
E marco, com a mansidão de um sol poente, tua fronte
E o que nela há e me guia, me vira a cabeça e me faz levantar

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Guilhotina

A caixa de pandora dos amores profundos apavora
E esgota, exaure a alma que espera a dose
Sua pitada de eternidade é a pétala de rosa
Que murcha, desbota e morre

Suas preces, mãos postas, são encostas de um grande morro
De um outeiro de barro de inquietudes e devastações
Todas as dores do mundo dele desaguam, irriquietas
E deslizam, serenas, pelas vozes do outrora

Quantas mãos senti me alisarem a alma!
Quantos nomes balbuciei, quantas vidas vivenciei
Quantos caldos entornei pra te encontrar agora?
E no morrote, minúsculo, das dores sofridas, te agigantei

E fiz bailarina, poeta e artesã
De mãos hábeis e voz serena, tão plena
Que ergueu meus sonhos do cadafalso:
Quando esperava o céu, encontrei a forca

E agora, agouro a agonia e te espero em romaria
Em uma procissão de uma nota só, descalço
De pés trovejados e mãos ensolaradas
De frases opostas ao que tenho sentido
Quero abrigo.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Caldeirinha

Epifania de vozes cabe dentro em meu peito meio perdido
E te embala, três noites a fio, pra voltar ao passado
A ferro, te trago marcada em azeite
Na testa menina, um batismo de fogo

Em festa, fiz palpitar o além ao te encontrar
E quebrei elos eternos, infernos e urras
Na noite empoeirada das esquinas encardidas, te fiz meu lugar
E lacrei minha alma de destemor

Em cada noite perdida, querida, fui ato consumado
De quem erra ao teu lado, sem ele deixar
De quem corre depressa pra não tropeçar
De quem foge da raia sem nunca querer

E fiz versos ao luar, letras que nunca mostrei
Saudades e histórias que pus a contar
Percalços tão falsos, tão torpes, tão vis
E contos inquebrantáveis de amor imortal

Vago por aí com teu nome aqui dentro
Beleza plena de um errante sonhador
Que erra, que cala, que morre de dor
Que espalha, que falha, que traz teu calor

E verso, saudoso, perdido, amargoso
Teus dotes, tão fortes, tua luz, meu olhar
Que gritam comigo, que são meu abrigo
Que trazem descanso pra me alimentar

Quero poder dormir de novo
E deitar meu pranto em pratos limpos
Quero abraçar sua gente, afagar sua mente
Visitar teus braços, teu colo e tua força

E peço, despeço, a cálida sorte de quem acompanha
Que esfarela as dores e desfaz os quebrantos
Que encanta meus traços e caminha em meus passos
Que age, que berra, que grita de horror
Que clama e que instala o tranquilo amor

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Calabouço

Um dia, menino, saudei o destino e bradei:
Cá, pedregulho, erguerei lá no alto o meu orgulho!
E avistei, no alto da pedra, um grisalho gavião
Que caçava, esguio e impávido, bravatas pelo chão

A primeira bravata, o nó de gravata, comprei no saldão
A segunda bravata, a prosa barata, ganhei de um irmão
A terceira bravata: ninguém me escapa. Sou forte e sou são!
Quão ingênuo, gavião! A sorte em prata, dessorte, não é o meu forte.

E contei moedas por aí, desafiado pela velha rapina a erguer castelos de areia
A espreitar como em um jogo de tênis as oportunidades
Procurei a sina das eternidades, a vocação para as permanências...
E só encontrei perenes e vãs maledicências

Descobri a felicidade bem longe da velha montanha
Com o gavião empalhado na sala de estar
Do outro lado do meu mundo, fecundo, alentei prosas e versos
E, em um cotidiano ao revés, pérfidos retrocessos

Não é mole viver quebrando pratos
Sem bravatas, sem promessas vãs
Sem a arte falastrã das eternidades de botequim
Com pressa, com fome, com ardor de amor

E hoje, crescido, saúdo o destino sem ter o que bradar.
Amo o que fiz, o que faço e o que hei de fazer
Mas amo, sobretudo, o insistente dar errado dos maiores sonhos
Sonhos que vão, sem duvidar. E, se ainda fizerem sentido, voltarão.
Brados de poesia e ilusão, de iluminar o meu porão, de lume e clarão



terça-feira, 4 de agosto de 2015

Cadafalso

Há, em cada passo mal dado, a cicuta do bem-querer
Nos pés tortos, que apontam para o centro
No requebrar trôpego de quem não pisa com os calcanhares
Nos amores desvanecidos, desfalecidos, meus lugares

Nas minhas gavetas, há frases e juras, males e curas
Há sombras, traços e frases de amor
Há cartões perfumados, cores e promessas
Há despedidas, mortes e duras

Nos meus pés, sem pestanejar, há passos de malabarista
De quem caminha na navalha, que caia, que caia...
Há, já, marcas do tempo, calos e dores
Há a lembrança de cada passo que dei ao seu lado

Nos meus sentidos, tão sem sentido, há flores brancas
E uma visão tão asséptica de mundo que o rompante não cabe
Tenho vontade de me levantar e caminhar por ele.
E, das flores brancas, erguer montanhas e mares

Queria poder ter mais do que tenho e não ser quem eu sou
Mas queria, mais do que tudo, não tropeçar nos pés de apoio
Não ser, ao fim, joio, não viver das frases de gaveta
E, das sombras de cada pranto, redescobrir a sorte em prosa e não ser mais poesia.

sábado, 13 de junho de 2015

Poesia concreta

Envelhecer é a cálida passagem de turno
Caudalosa na forma, bravia no conteúdo
Desatadora de nós, besbravadora de Nós
Desaguadora de um rio turbulento e calmo

É sentir os riscos que se abrem em cada palmo
É sorver a dor de cada porta que se fecha
É jurar amor às novas formas de se amar
É perder a dor em cada esquina pra depois reencontrar

Envelhecer não é só morrer todos os dias
É perder escolhas pra logo recomeçar
Perdidas na dor sorvida, porta fechada, voz encerrada
Encontrei e nem pude cumprimentar!

É a concretude da finitude, de todas as passagens
A obviedade das escolhas sem poréns
Das certezas que vêm do peito, das miragens
Da saudade que brota aflita nas reticências da vida

Eu, concreto ao me esvair, declaro:
Se não desvanecer antes que o sol se ponha
Tenho certezas de jequitibá
Convicções de quem, desbotado, aprendeu a amar

E grito, soturno, trancado no quarto
A quem ama e me quer amar
Do fundo da alma de um tempo que passa
Não há tempo a perder. Não passa. Não passa...