quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Quanto Tempo Tem?

Quanto tempo tem que a brisa mórbida que acariciava a lápide de mármore testemunhou meu pranto em desespero? Quanto tempo tem que o desmaio adveio do desvelo e desnivelou todos os níveis de gliose? Quanto tempo tem que o guarda-chuva cor-de-rosa assistiu ao encontro solene de duas almas na tempestade? Tem todo o tempo, tem tempo todo. Tem infinidade de segundos, centésimos e milésimos, que juntos preenchem qualquer garrafa d'água ou conteiner. Tem milhões de leds, bilhões de pixels e trilhões de átomos. Tem viradas, desvios e lágrimas. Tem tempo que não passou, tem tempo que foi-se embora. Tem até tempo com quem já morreu. Quanto tempo tem que meu corpo pulsa à mesma voz, e ouve como música o chamado ao abraço? Quanto tempo tem que os lábios cálidos mordiscam e sinalizam, num sorriso, a satisfação com mais um dia? Quanto tempo tem que a esperança tornou-se companheira inseparável de dois andarilhos que, juntos, caminham a passos largos em direção a um novo tempo? Um tempo de paz e solidão a dois. De calmaria, ardor e singeleza. Um tempo com todo o tempo do mundo, de uníssono-convívio-sem-pudores. Tempo bom será!

sábado, 26 de dezembro de 2009

Prrrroposta


Sinto um olhar tão distante, inchado e avermelhado pelas lágrimas caídas da noite de luar. Longe daqui, sob a névoa da serra, encolhida entre os travesseiros pensa sorrateira no que não fazer amanhã. Sinto um respirar ofegante, talvez prejudicado pela poeira de um quarto há muito trancado. Balança a cabeça, para frente e para trás, em delicados movimentos de dúvida. Boceja, esfrega os olhos. Dois olhos castanhos, solenes. Olhos castanhos têm a beleza da simplicidade, a espontaneidade de se ter o que quase todos têm. Esqueceu longe dali um leque, um cartão de crédito e um pacote colorido. Dentro dele, um pão-de-mel. Sinto um sussurrar indiscreto, como se cantarolasse alguma canção de Roberto Carlos ou Reginaldo Rossi. Canção que fala sobre os esquecidos que jamais esqueceremos. Conversa, delicada, com a gambá que ali fez ninho e que caminha pelo forro do teto acompanhada por três ou quatro filhotes, todos ainda de peito. Arruma o baby doll. Levanta um pouco, vai até a janela e põe-se a fitar o céu estrelado da serra que, longe da poluição da metrópole, abençoa aqueles vinte ou trinta mil refugiados. Talvez, próximos do anno bom, uns poucos mais. Está sozinha, a duas horas de sua outra mão, seu outro pé e, pasmem, seu outro coração. Está perdida nas amarras do sossego, longe de todos os outros, perto de todos os seus. Está saudosa do amor, amado amante, que lhe aperta a mão, morde a orelha e bafeja, assanhado, em pescoço moreno. Está a madrugar seus sonhos, de um ano bem melhor aonde, enfim, possam ter definições e propostas formais de eternidade. Trocarão alianças, beberão no mesmo copo, juntarão os seus panos e sonharão, a estas horas, com suas cabeças coladas no mesmo travesseiro. Sonharão, quem sabe, o mesmo sonho: caras de criança, dois amores, um casal.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Pra Seu Remédio

Pra ser sincero, quero que todos os asfaltos e pedras portuguesas por onde nossos pés passarem nos levem a dois ou três quilômetros daqui. Longe, nos abraços cálidos desembaraçaremos todos os nós. Desataremos nós de cadarços, aprenderemos nós-de-marinheiro e seremos, nós dois, mais ágeis e habilidosos. Bem longe daqui, capinaremos, cuidaremos da horta, cortaremos as palmas e criaremos cactus. Hábitos distantes. Lá do outro lado, desceremos a ladeira no temporal, beijaremos a chuva e tomaremos banho de lama. Passaremos frio, fome, calor e dormiremos noites mal dormidas. Observaremos com prazer o gargalhar das hienas, o bater de asas dos abutres e os rugidos dos leopardos. Estaremos do outro lado do mundo! Bem longe, com fome ou frio, será o nosso lar. Ou bem perto, talvez. Quem sabe, aqui na esquina. Quem sabe aqui, talvez.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Uma Rosa com Amor

Intrépidas turbas insanas: tremei ao ressoar dos clarins que anunciam o efêmero prazer de ser eterno. Olhai os lírios bregas sob as cores tropicálias e os olhos guaranis. Senti o minuano criar franja em seus cabelos castanhos, o gelado minuano dos pampas que não vi. Amai com sofreguidão cada letra, sílaba, palavra ou frase com o mesmo ardor dos discursos em plenário. Amai, na imensidão, cada gota de mar ou de chuva que reflita nossos momentos e encantos. Assim, minuciosamente, será possível reconstruir com precisão cirúrgica cada dado, som, imagem, cheiro ou textura que por nosso amor já passou ou há de passar.