sábado, 26 de junho de 2021

Pé de moleque

Desviei na esquina fria, em verbo, no sobressalto de quem viu sua sombra, incandescente como o fogo-fátuo, emanada do terreno pantanoso das incertezas que habitam os corações de quem tem pressa. Quis correr atrás, e segurar com minhas mãos aquela chama azul, que bailava na beira de um rio caudaloso em meio ao matagal. Era a chama do perigo. Tenho te guardado no bolso do paletó, como uma lavanda de lapela. A face mais cândida, que inflama o meu abrigo, que me traz a paz em meio a tudo o que desmorona à minha volta. O fogo-fátuo e a lavanda de lapela. As duas faces de quem me faz descer, correndo, a íngreme ladeira. Meu perigo, minha paz. Uma só alma.

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Quadrante

Quero ver só sua força estranha pairar

E tomar conta de tudo, estraçalhar as vidraças

E fazer deitar as carcaças, a secar sob o sol

Como se fossem retalhos de quem fui e não sou mais


Hoje, estou em um tanque, embebido no que sou

Parvo de achar que é a dureza é tanta

Morto de amor, com as canelas esticadas

Como se fosse peça à mostra, objeto de análise


Um estranho caso de alguém que se rendeu

E preferiu ficar bem quieto, no formol

A enrijecer o bem e a dor por quem sentiu

A flutuar, bem ávido, o amor de quem morreu


Pois que há de se beijar o sapo, e fazer reviver

Levantar do tanque, caminhar nas pradarias

Fazer cantar e ganhar cor

Debruçar por sobre teu muro, te olhar mais profundo.

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Diário de uma barba mal feita

Tenho varado madrugadas

A ver seus pés distantes

Seu sorriso cheio de dentes

Seus cabelos, que acastanharam


A ouvir sua voz, rouxinol

Seu nó aqui no peito

Meu beijo proibido, abandonado

E minhas mãos queimadas de frio


Tenho varado madrugadas

Estafado, cheio de dedos

A ouvir suas novas certezas

Sem conseguir te descolar daqui

sábado, 12 de junho de 2021

Derreter

Te encontrei na esquina fria

Das noites tão breves, excitantes

E vi no teu olhar em tom musgo

O saber de quem me devorou


Você soube ver nos meus olhos, chocolate

A peça que me faltava, minha válvula

Meu pedal, meus botões, suas mãos

Fui um homem de lata sem coração


Você me pôs em meu lugar

Aqui, nas cobertas, sozinho a te esperar

A nado, bem longe, tão perto assim

A me espreitar de olhos bem fechados


Sou seu melhor molho, o seu empapuçar

E nunca me esqueci de quem eu sou

Sua metade perdida, sua aberta ferida

Seu, mesmo que o mundo me diga o contrário


A revirar calendário, a te esperar tanto assim...