quinta-feira, 29 de maio de 2025

Impávido colosso

Neva lá fora, fresta aberta em meu peito, sangue aos borbotões

Quero abotoar a alma para que desate o nó, para que calibre a calma

Tenho remado a canoa, maneta, no horizonte em que nada há

Quase nada, quase insólita calma, toda a paz dos cemitérios


Obscurecido, desvelo o breu e sinto o absoluto silêncio

De um avião em queda, onde todos prendem a respiração

E aceno, da janela, para o tempo ido

Tempo de deleite e sofrimento de quem me traz nostalgia


Tenho sentido o teu pulsar, o teu nariz gelado

E recordado dois anos atrás, o pranto no teu colo

A carta, o cordão, o nunca mais

Os meus e os teus blefes, o nosso pôquer diário


E deslizado pelo bolso do colete

Tudo o que vivemos e o que sentimos

Na inesquecível e única certeza da vida:

A de que tudo tem o seu fim.


Menos a inefável verdade

A única que já vivi

O deleite e o emprego dos meus dons

Para sonhar do teu lado


Morremos um pouco todos os dias...

terça-feira, 20 de maio de 2025

Párnaso fecundo

Gélido cálice que virou meu peito

Que encosta na sacada quente

Abrasada pelo sol outonal

E abraça minhas próprias costas, com unhas vãs

Fahrenheit


Tanto tempo, dois anos

Deselance, blefes, bravos

Seu aplauso para o meu desvanecer

E todo o resto, a canoa, o horizonte


Tenho remado sozinho, meio troncho

No reino de oitocentos dias atrás

Preso a você, a tudo que fui

Em um poço de piche


Sem fé.

sábado, 18 de janeiro de 2025

Pelos galardões

Passagem, lápide fria

Porcelana branca riscada à mão

Retrato desbotado, meu fel ali

Estourado, escarnecido

Tempo em vão vivido, flores de plástico

E o mágico presente do teu céu

Teu ruivo em minhas mãos

Teu beijo, espinhas de rosas

E a sorte das madrugadas frias

Com piso frio, branco e alquebrado

Meu joelho, dores cálidas

Quanto tempo faz!