sábado, 18 de janeiro de 2025

Pelos galardões

Passagem, lápide fria

Porcelana branca riscada à mão

Retrato desbotado, meu fel ali

Estourado, escarnecido

Tempo em vão vivido, flores de plástico

E o mágico presente do teu céu

Teu ruivo em minhas mãos

Teu beijo, espinhas de rosas

E a sorte das madrugadas frias

Com piso frio, branco e alquebrado

Meu joelho, dores cálidas

Quanto tempo faz!

sábado, 23 de novembro de 2024

O que há no fim

Já fui esquálida peça

De ânsia de futuro, insano

Quando me pus em desalinho

E flertei, decerto, em morte


Hoje, nada mais há que não o oco

Entre palavras e passos,

Entre lágrimas secas que não vêm

Num vazio enorme!


Empilham-se os deveres

Encontram-se as saídas

Há muito por fazer

E pouco por viver


Me parti sem esperança

Sem lança, sem tônus

Sem nada que eu sei

Para o resto


A canoa que não recua

Mas que, furada, vê soçobrar

Aquilo que sou

Para nada além

Para nunca mais

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Perfilhar

Tenho sorvido um imenso vazio

Entre providências tão típicas

De bloqueios e ceifares

De tentar premer um botão


Há muito, não vivenciava tais dores

Agruras cotidianas, uma úlcera

Deletério desenlace, coração na mão

O afã de não levantar


Tem sido diferente

Distinto nas causas e consequências

Nada é pior do que ser tomado de amor

Quando isso já não serve de nada...


terça-feira, 2 de agosto de 2022

Metensomatose

 Tenho andado perdido

No descompasso de um calendário

Que desfolhou tudo aqui

E me pôs de joelhos diante do há


Fui um dia, príncipe perverso

Que sem mágoa ou ardor vão

Subverti o que tinha

Em nome do amor eterno


E vivi cálido inferno

Abrasado pela voz doce

Inundado de certezas

Para desfolhar todo mês.


Mal-me-quer?


Madruguei ensanguentado

Despertei tão tarde

A ver-te perder na esquina

Ou achar-te, enfim


Para viver aqui, percluso

Mas livre, pela primeira vez

Par de cotos que apontam para a frente

Braços baldios, braços sem mãos


Braços livres, mas goros

Tudo o que é seu, para sempre

Na mais baldada das intenções

A de esperar pelo trem de uma extinta ferrovia.


Bem-me-quer.


Libertei-me para nada

A mirar o lume de dez dias atrás

O último portal, o seu último túnel

Seus encantos em desalinho


E agora, sem te alcançar jamais

Guardo aqui na chama azul do meu peito

Teu nome em brasa, para nunca mais

Ou para todo o sempre, como sempre fui.


Mal-me-quer.

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Espelhado

Tenho me abrasado um bocado

E deitado o dorso sobre a alma carcomida

Quinquilharia de esquina,

Doce mentira de quem só te quis bem

Para abarcar, na morte em vida

O apreço à palavra, o mais antigo erro

De quem sempre preferiu a razão à felicidade

E agora, cortado pela metade

Caminha no escuro sem espaço a tatear

Como um imenso ôco, que não sente os limites

Vendado da maior realidade de todas

A de que não podemos nos alimentar do que é vão

Nem blefar contra o coração, que é soberano

E nos lembra a cada dia que não dá pra fingir.

Deixei o que eu sinto na curva do rio

E vivo o sobejo do que não sou

À espera de um dia me libertar de tanta mentira

De despir essa farsa

E poder ser quem sempre quis

No além do restolho das preces vãs

Abraçado ao que mais quero

Ao que mais sinto, ao que me energiza

E que não esqueci um dia ali

Para não te esquecer jamais.

Parabéns.

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Pulsar

Enquanto o coração pulsar,

debruça sobre os meus sóis.


segunda-feira, 4 de abril de 2022

Meu sonho que você não crê

Tenho andado calado

E falado pelos cotovelos

Que a boca pra fora está cheia de azia

A corroer o estômago, a correr de mim

E passado as madrugadas, velado

Em um esparro íntimo de quem viu esvair

E tem algo bem concreto, e insosso

Para abraçar o futuro sem pé e nem cabeça

E aguardar, numa esquina qualquer

Que o milagre imponha a censura

E reinicie as velhas notícias

Notícias trancadas num ataúde raivoso

Embrulhado em panos negros de cetim

Com a leveza das suas mãos, que um dia abraçaram

E agora, ásperas, também andam caladas

Como quem esbraveja a página virada

E não desfaz a tatuagem, impressa em brasa

Um sol no meu braço, para me iluminar

E um furo em minh'alma, por onde ela se despede de mim

Um pouco a cada hora

Até virar do avesso

E ser livre na manhã alumiada

Entregue, mesmo tarde demais