sábado, 31 de julho de 2021

A verdade

A percussão me dá um nó na garganta

Quando tento gritar seu nome e me falta ar

Para ver meu couro esquentar, meus olhos se porem

Sobre a linha do horizonte, bem depois do Brocoió

E me lembra que o segredo, sem medo

É o maior dos pavores, é meu zelo por nós dois

É o que nasceria de novo para não viver

É o que mais desejo ver se dissipar

Para poder soltar meu nariz

E ver o ar entrar de novo

Pôr a cabeça para fora da Baía

E nadar em sua direção.

Luzes acesas

Dormi doze horas

E nem vi o tempo passar

Nas cobertas geladas

A ranger os dentes

E acordei com bruxismo

Como uma dentadura humana

Com a boca bem aberta

A gargalhar de minha própria tragédia

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Sete léguas

Escassas palavras

De quem alvoreceu

Tão pálido, que quase fosco

E anoiteceu numa brancura sem fim

Lívido de fome, como um lírio de defunto

De mãos entrecruzadas e sem saber pra onde ir

domingo, 25 de julho de 2021

Alguma coisa

O tremor das madrugadas

Vive da partilha do desamparo

Dos braços que se desbraçaram

Das mãos que se desabusaram

Dos olhos que, distintos, correm às vistas

Das flores dos segredos decantados

Hoje, tudo em mim fala muito

No silêncio de quem grita encaixotado

Tudo em mim me diz, gutural

No oco do meu peito que ainda bate

Que o silêncio do seu caminho

É minha certeza pregada na parede

Não sei mais viver sem você.


sábado, 24 de julho de 2021

Insônia indômita

A memória, encruada

Não sai sequer ao quinto banho

É a lógica perdida das cambraias

Que envolveram nossos segredos

E percorreram nosso corpo, sem medo

Na lembrança do que foi mais desejado

E agora, à lua cheia

São páginas abertas de um diário

De quase três anos de escrita

Onde, solitário, meu pranto derramo

Sem que nem eu mesmo possa ver

Para poder te esperar de braços abertos


Sem ter bem pra onde ir

Dormi a tarde inteira

Esperando a febre que não veio

É só um resfriado

Fruto da friagem e do percalço

Senti seu abraço me envolver

No sonho, calado, profanado

Do qual sorriu e se afastou

Ao dizer que bem depois pra mim voltava

E avistei uma pilha de louças

Esperando por minhas mãos

E minhas unhas, que te tocaram

Querendo a poda

É preciso levantar

E enxugar o pranto

Para te ter, serena

Em meu pensamento

De volta, pra mim, como um par de olhos esguios

Verdes chamas do meu amor sofrido

Meu fio de prumo, meu ponto futuro.



sexta-feira, 23 de julho de 2021

Regressão

Gastei sola de sapato

Do rascunho da minha alma

Quando aportei em seu peito

Para ver nascer o sol

Para ver deitar o breu

Sobre as madrugadas tão nossas

Para te acender o abajour

Para fazer valer o seu momento

Proibido, errante

De quem beijou a foto ao acordar

Todos os dias

E fez derramar a lágrima

A lágrima da dúvida do devir

A lágrima da fé cega no porvir

Da cabeça aflita

Que não vê saída na neblina

E vê brotar sua voz ao pé do ouvido

Na minha orelha devorada

E me faz caminhar, sem sentido

Na direção desse abismo

O abismo que é viver sem você.

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Fartos, deu

A tragédia da minha rua

É a névoa que me procura

Nos cotidianos perversos

No desvencilhar dos beijos

Na prole que não virá

Dos amassos empertigados

Que deixei em frente à estátua

Doze dias atrás

Pelo resto da vida

Pra te ter aqui dentro

Como um bom monólogo

Do quão feliz fui um dia


domingo, 18 de julho de 2021

Cerejeira

Enfurnado, abri a fresta ao sol

E vi entrarem seus raios assobradados

Ao pé, os paradoxos de quem teme

Ao norte, as maravilhas do porvir


E sorvi sua pele em brasa

A entumescer meu coração desesperado

A pôr a perder as vãs certezas

A desbravar seu peito adorado


E me pus a pensar, ensimesmado: 

Onde está a viga-mestra da ternura?

No amor proibido de quem se procura?

Na solidez de quem me amou tanto assim?


E, ciente, denotei sem espargir:

Quero seu colo, seu peito e seu beijo perdido

Sua alma aquecida, seu olhar bem aqui

Quero o percalço, o mais fiel de todos os erros 

sábado, 17 de julho de 2021

Como grão de areia no deserto

Jogou-me ao vento

Ao vértice frágil do desmontar

Ao ver-me, ressabiado, expiar

Meus pecados no parvor de quem chorou a noite inteira


Nas lágrimas que me lavaram a face

Nos teus olhos refletidos nos meus

Em nosso sorriso colado, em nossos narizes

No esfregar das nossas almas perdidas


A lembrar-te, louco, uma semana atrás

Em meus braços, a me marcar com teu perfume

Para agora ser só lembrança...

Para ser um grão de areia esvoaçante no seu peito...


E sem saber, se meu defeito

Foi amar-te demais ou descolar da tua mão

Se foi beijar-te de menos, se foi expor de menos minha quentura

Sou, agora, nova criatura. Segurando sozinho nossas iniciais.

Vendo nosso balão subir.



sexta-feira, 16 de julho de 2021

Acorde

Meu horizonte é verde, meio acinzentado. Tem raios vermelhos de sol, onde tudo é muito branco e róseo. Tem as cores que não mais tingi, da minha vida desbotada, tão fora do tom. Tem o aperto em um banco de pedra, tem as preces para te esquecer. Meu horizonte tem o pecado rasgado das tuas formas, tem o desvanecer da tua voz, ao pé do meu ouvido ou bem distante, a se despedir, a escapar pelas minhas mãos. Meu horizonte tem a negrura dos meus dias sem você, e o brilho dos seus olhos, cravados no meu peito, olhos que percorri com os meus, dentes que me sorriram, tantos em tão pouco espaço que pareciam refletir toda a alegria do mundo. Ao seu lado, estou de luto, procurando o seu perfume no meu pulso. Que ainda pulsa. Pelo que fomos. Para que a dor parta daqui. Pelos seus raios de sol que me dão sentido.