terça-feira, 31 de agosto de 2021
quinta-feira, 26 de agosto de 2021
A forma e o conteúdo
Nada é da vida, mais sórdido
Do que o martelar que há no intuito de esgrimar consigo
Em um cataclisma íntimo
A tirar o véu e derreter
Não de amor, mas do falso brilhante que é a ira
Quando o que há, de fato, em nós
É o afã oposto, o da entrega
Do torpor do proibido, dos prazeres em seus recônditos.
Tenho sido, ainda que me arrastar de dor, eu mesmo
Com minhas vontades e queixas
A albergar o que sinto
E a desejar o que perdi
Por amor ao que sonhei ser
Agora, não sou nem retrato
Só um retalho decepado em cima da mesa.
quarta-feira, 25 de agosto de 2021
A verdade é que...
A verdade é que somos intransitivos
E vivemos a esperar o barqueiro
Para levar tudo o que há, corrente adentro
Para o mar aberto da nossa memória
Doces e amargos dias
Diapasões que ecoam até onde o som pode ir
Gargalhadas, beijos, prantos
Dias que vivemos, e que se esvaem para a Grande Nuvem
Nuvem inacessível, das perdas inexoráveis
Dias sofridos ou belos, não importa
Tudo está condenado a partir e me deixar aqui
Até o barqueiro vir me buscar
Mas, até o inevitável caminho
Ainda posso ouvir sua voz esvair
E me chamar, cada vez mais ao longe
Mas ainda sua, é ainda você
Que empalidece sem sair daqui
Como um decalque na janela
Que, mesmo rasgado e atirado de cima
Ainda mantém parte da sua cola
O que nos prende, o que nos marca
E o que me habita aqui, tão só
Para nunca mais. Para logo aqui.
Sem esperanças, mas inevitavelmente seu
Até que o vento do mar leve embora tua voz.
segunda-feira, 23 de agosto de 2021
Cutículas inflamadas
Tenho dormido muito
E chorado até adormecer
Abraçado os cães de rua
E sorvido as sarjetas
À procura de um alento
Que é rotundo aqui dentro
Onde o mal espaireceu
E o bem se embananou
Sóbrio, enfrento a sorte
Entorpecido pela morte em vida
De quem perdeu a felicidade no rolar dos dados
E guardou o brilho do olhar no fundo do armário
Pra te esperar, como um milagre
Na dobradura, no origami da alma
Que reverta tanta dor
E nos reaproxime, em beijo
Constituição
É férrea a vontade de desistir quando o afã de resguardar a respiração parece se esvair, como quando somos oxigenados à mão, por força mecânica. Tem-me faltado o ar. Incrustrado de novas verdades, de rótulos que ferem, pus o que sinto em um camafeu, dobrei e guardei em uma caixinha. De mim, resta a saudade, que levarei para o túmulo. E tudo o que sonhei, que se desfaz no ar a olhos vistos, enquanto arrumo a cama e faço hora para almoçar. A cada volta do ponteiro, me distancio mais. Como se nada houvesse e eu fosse, com toda a justiça, um condenado às galés, remando para me afastar daquilo que mais quero.
sábado, 14 de agosto de 2021
Caso concreto
A verdade que se movimenta como locomotiva nesta rotunda
É a velha certeza dos versos esmaecidos:
Para todos os lados, um par de olhos
Que me espreitam de volta e se escondem atrás da lona
Como se eu já não fosse mais nada
Um sapo, após quatro dias atrás
Um sátrapa, talvez
Soberano de um coração que decidiu se censurar
Entrementes, também escravo
Com grilhões floridos e uma mordaça de cetim
Porta aberta pra entrar
Tracei em giz aqui
Suas carambolas e pitangas
Bem marcadas ao pé da mesa
Da mesa onde brotou o seu olhar
Olhar de quem faz-de-conta
Olhar de quem muito-quer
Olhar fixo de quem sorveu
E absorveu o que há em mim
Um dia, meu cheiro e meu gosto
Agora, as palavras não escritas
Duas formas de devoção
Uma mesma musa...
sexta-feira, 13 de agosto de 2021
Primeiro dia de todos os outros
Passei o dia sozinho
Sem sair por aquela porta
Com a alma gelada
A expiar meus pecados
E vi, em uma solidão nova
Que as lágrimas do travesseiro que abracei
E enxuguei para logar no Teams
São marcas no meu rosto que envelhece
A registrar dores de amores
E o seu silêncio, batendo fundo
Em um par de óculos que me espreita
E numa esperança que partiu contigo...
Epitáfio
Aqui jaz um trovador
Que quis abraçar o mundo com os pés
E morreu de amor
Ele está seco, ao sol
À espera que lhe enterrem
Pois quis amar demais
E terminou com as vísceras expostas
Rusgas intestinas
Promessas quebradas
Palavras desfeitas
E um balão estourado
Em sua mão esquerda...
quinta-feira, 12 de agosto de 2021
Epígrafe
Doze, número forte, foi o esvair da ampulheta em que aqui me debrucei, a lamuriar e celebrar com quem me folheou. Hoje, encerro-me, ao empurrar um penedo sobre minha juventude. Vivi, até aqui, com os nervos expostos de quem muito sonhou e fez. Não posso mais continuar sem casaco. Nem viver a caminhar em meio à brasa. Preciso descobrir o sabor da monotonia, deslindar a formosura daquilo que não a tem. Preciso viver, pois tenho estado em um sepulcro, com doces interregnos de júbilo. À impermanência, prefiro adormecer. E viver como Epicuro, suportando a dor. Do extremado, prefiro nada levar. Despeço-me, a tatear um porvir que haverá de amainar meu sono e desalagar meu pranto.
terça-feira, 3 de agosto de 2021
Sobre lembrança e esquecimento
Esquecer é prática que envenena
Quando lembrar nunca vai sair de nós
Por termos tutano, a guardar a experiência
Que, no frigir dos ovos, é o que conta
Lembro porque existo
Pois não tenho botão de desligar
Lembro porque você está aqui
E eu, aí dentro
E não há vontade que triunfe em retirar
segunda-feira, 2 de agosto de 2021
Cálido pecado
O beijo mais terno
Com sabor de brevidade
Foi como um sopro:
Esvaiu-se de mim, para saltitar em seguida
Para uma gaveta da minh'alma
Que faço toda a questão
De querer sempre abrir
Rebotalho de mim mesmo
Escorei minhas vestes nuas na tua maçaneta
E me envolvi de dores estomacais
Para ver subir, refluxo
A acidez das promessas de eternidade
E lembrei, nesta nossa efeméride
Que dois anos atrás eram só flores
Contidas nas frases mudas
De quem pensava sem dizer
E envolvia, no par de olhares, tantos sonhos
Sonhos que esbocei em um cartão
Para quem, proibido, me estendi
E esbarrei no alívio para colher tempestade
A mais doce de todas as tormentas...
domingo, 1 de agosto de 2021
Entrevero desarmado
Tenho dormido muito
E contado nas pontas dos dedos
Meus dias sem você, febril
Sem que a temperatura suba, suando por dentro
Do avesso, a rolar na cama
A te encontrar nos sonhos
A te abraçar nos cantos
Fazendo segredo do que eu tanto quero
Para poder gritar ao mundo
Que a ave fez morada aqui
E bate asas, presa na gaiola que sou eu
Prisão do meu próprio brilho, grilhões
Fardo de quem vive da memória do que fui
E das mãos que tive em minha boca
E que hoje, muito perdido
Sinto enxugarem meu pranto
Enquanto acendo a lâmpada no breu
E observo, na linha da vida
A saudade dos meus dias mais felizes