sábado, 9 de outubro de 2021

Substrato em desalinho

Gélida face sob a colcha

Que ensaboa a memória desvairada

Vê que morte enevoada

É a sanha do seu cálido momento

Senti-te esquentar meus pés

Com o aquecedor ligado

E sorver meus dedos, vis

Tive a sorte do teu beijo, colombina

Tanto tempo atrás, mais de três luas

E as tuas vestes nuas

De quem tanto desejou

Hoje, caminho meio morto

Absorto, em desalinho

Pois te espero em um milagre

Nos percentuais de descaminhos.

Desgracei minha prece vã

E sou todo seu, sem ter nada mais aqui

sábado, 2 de outubro de 2021

Alouette

Tenho andado apressado

E carcomido os meus botões 

Com a voz que bate no esterno

E me manda correr até lá 

É voz que inflama a alma

E me faz depor contra mim:

Sorrir debruçado sobre a dor?

Já sofremos demais por agora

É hora de viver sem mais piques

Sem o estouro da boiada, piamente

Como uma cotovia que espera a outra

No compasso de um samba sincopado

Em um bailar de sombras intermitentes

Com você a tomar tudo de mim

Enquanto navego em mar bravio


segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Se te olvida

Aqui, do recôndito da prece vã

Esfarelo o pão da vida entre as palmas das mãos

Como se fosse meu último dia por aqui

Sabedor de que terei todos os outros

Com uma canoa de madeira boba, a esgueirar

Em um riacho doce de obséquios e vontades

Sem viver a maior delas, na tortuosa eternidade

Do perfume que nunca saiu daqui

Do beijo tão desejado

Da sorte que pensei ter ao acertar no milhar

E do bilhete de loteria que perdi, por aí...

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

A forma e o conteúdo

Nada é da vida, mais sórdido

Do que o martelar que há no intuito de esgrimar consigo

Em um cataclisma íntimo

A tirar o véu e derreter

Não de amor, mas do falso brilhante que é a ira

Quando o que há, de fato, em nós

É o afã oposto, o da entrega

Do torpor do proibido, dos prazeres em seus recônditos.

Tenho sido, ainda que me arrastar de dor, eu mesmo

Com minhas vontades e queixas

A albergar o que sinto

E a desejar o que perdi

Por amor ao que sonhei ser

Agora, não sou nem retrato

Só um retalho decepado em cima da mesa.

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

A verdade é que...

A verdade é que somos intransitivos

E vivemos a esperar o barqueiro

Para levar tudo o que há, corrente adentro

Para o mar aberto da nossa memória

Doces e amargos dias

Diapasões que ecoam até onde o som pode ir

Gargalhadas, beijos, prantos

Dias que vivemos, e que se esvaem para a Grande Nuvem

Nuvem inacessível, das perdas inexoráveis

Dias sofridos ou belos, não importa

Tudo está condenado a partir e me deixar aqui

Até o barqueiro vir me buscar

Mas, até o inevitável caminho

Ainda posso ouvir sua voz esvair

E me chamar, cada vez mais ao longe

Mas ainda sua, é ainda você

Que empalidece sem sair daqui

Como um decalque na janela

Que, mesmo rasgado e atirado de cima

Ainda mantém parte da sua cola

O que nos prende, o que nos marca

E o que me habita aqui, tão só

Para nunca mais. Para logo aqui.

Sem esperanças, mas inevitavelmente seu

Até que o vento do mar leve embora tua voz.

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Cutículas inflamadas

Tenho dormido muito

E chorado até adormecer

Abraçado os cães de rua

E sorvido as sarjetas

À procura de um alento

Que é rotundo aqui dentro

Onde o mal espaireceu 

E o bem se embananou

Sóbrio, enfrento a sorte

Entorpecido pela morte em vida

De quem perdeu a felicidade no rolar dos dados

E guardou o brilho do olhar no fundo do armário

Pra te esperar, como um milagre

Na dobradura, no origami da alma

Que reverta tanta dor

E nos reaproxime, em beijo

Constituição

É férrea a vontade de desistir quando o afã de resguardar a respiração parece se esvair, como quando somos oxigenados à mão, por força mecânica. Tem-me faltado o ar. Incrustrado de novas verdades, de rótulos que ferem, pus o que sinto em um camafeu, dobrei e guardei em uma caixinha. De mim, resta a saudade, que levarei para o túmulo. E tudo o que sonhei, que se desfaz no ar a olhos vistos, enquanto arrumo a cama e faço hora para almoçar. A cada volta do ponteiro, me distancio mais. Como se nada houvesse e eu fosse, com toda a justiça, um condenado às galés, remando para me afastar daquilo que mais quero. 

sábado, 14 de agosto de 2021

Caso concreto

A verdade que se movimenta como locomotiva nesta rotunda

É a velha certeza dos versos esmaecidos:

Para todos os lados, um par de olhos

Que me espreitam de volta e se escondem atrás da lona

Como se eu já não fosse mais nada

Um sapo, após quatro dias atrás

Um sátrapa, talvez

Soberano de um coração que decidiu se censurar

Entrementes, também escravo

Com grilhões floridos e uma mordaça de cetim

Porta aberta pra entrar

Tracei em giz aqui

Suas carambolas e pitangas

Bem marcadas ao pé da mesa

Da mesa onde brotou o seu olhar

Olhar de quem faz-de-conta

Olhar de quem muito-quer

Olhar fixo de quem sorveu

E absorveu o que há em mim

Um dia, meu cheiro e meu gosto

Agora, as palavras não escritas

Duas formas de devoção

Uma mesma musa...

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Primeiro dia de todos os outros

Passei o dia sozinho

Sem sair por aquela porta

Com a alma gelada

A expiar meus pecados

E vi, em uma solidão nova

Que as lágrimas do travesseiro que abracei

E enxuguei para logar no Teams

São marcas no meu rosto que envelhece

A registrar dores de amores

E o seu silêncio, batendo fundo

Em um par de óculos que me espreita

E numa esperança que partiu contigo...

Epitáfio

Aqui jaz um trovador

Que quis abraçar o mundo com os pés

E morreu de amor

Ele está seco, ao sol

À espera que lhe enterrem

Pois quis amar demais

E terminou com as vísceras expostas

Rusgas intestinas

Promessas quebradas

Palavras desfeitas

E um balão estourado 

Em sua mão esquerda...


quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Epígrafe

Doze, número forte, foi o esvair da ampulheta em que aqui me debrucei, a lamuriar e celebrar com quem me folheou. Hoje, encerro-me, ao empurrar um penedo sobre minha juventude. Vivi, até aqui, com os nervos expostos de quem muito sonhou e fez. Não posso mais continuar sem casaco. Nem viver a caminhar em meio à brasa. Preciso descobrir o sabor da monotonia, deslindar a formosura daquilo que não a tem. Preciso viver, pois tenho estado em um sepulcro, com doces interregnos de júbilo. À impermanência, prefiro adormecer. E viver como Epicuro, suportando a dor. Do extremado, prefiro nada levar. Despeço-me, a tatear um porvir que haverá de amainar meu sono e desalagar meu pranto.

terça-feira, 3 de agosto de 2021

Sobre lembrança e esquecimento

Esquecer é prática que envenena

Quando lembrar nunca vai sair de nós

Por termos tutano, a guardar a experiência

Que, no frigir dos ovos, é o que conta

Lembro porque existo

Pois não tenho botão de desligar

Lembro porque você está aqui

E eu, aí dentro

E não há vontade que triunfe em retirar

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Cálido pecado

O beijo mais terno

Com sabor de brevidade

Foi como um sopro:

Esvaiu-se de mim, para saltitar em seguida

Para uma gaveta da minh'alma

Que faço toda a questão

De querer sempre abrir

Rebotalho de mim mesmo

Escorei minhas vestes nuas na tua maçaneta

E me envolvi de dores estomacais

Para ver subir, refluxo

A acidez das promessas de eternidade

E lembrei, nesta nossa efeméride

Que dois anos atrás eram só flores

Contidas nas frases mudas

De quem pensava sem dizer

E envolvia, no par de olhares, tantos sonhos

Sonhos que esbocei em um cartão

Para quem, proibido, me estendi

E esbarrei no alívio para colher tempestade

A mais doce de todas as tormentas...

domingo, 1 de agosto de 2021

Entrevero desarmado

Tenho dormido muito

E contado nas pontas dos dedos

Meus dias sem você, febril

Sem que a temperatura suba, suando por dentro

Do avesso, a rolar na cama

A te encontrar nos sonhos

A te abraçar nos cantos

Fazendo segredo do que eu tanto quero

Para poder gritar ao mundo 

Que a ave fez morada aqui

E bate asas, presa na gaiola que sou eu

Prisão do meu próprio brilho, grilhões

Fardo de quem vive da memória do que fui

E das mãos que tive em minha boca

E que hoje, muito perdido

Sinto enxugarem meu pranto

Enquanto acendo a lâmpada no breu

E observo, na linha da vida

A saudade dos meus dias mais felizes


sábado, 31 de julho de 2021

A verdade

A percussão me dá um nó na garganta

Quando tento gritar seu nome e me falta ar

Para ver meu couro esquentar, meus olhos se porem

Sobre a linha do horizonte, bem depois do Brocoió

E me lembra que o segredo, sem medo

É o maior dos pavores, é meu zelo por nós dois

É o que nasceria de novo para não viver

É o que mais desejo ver se dissipar

Para poder soltar meu nariz

E ver o ar entrar de novo

Pôr a cabeça para fora da Baía

E nadar em sua direção.

Luzes acesas

Dormi doze horas

E nem vi o tempo passar

Nas cobertas geladas

A ranger os dentes

E acordei com bruxismo

Como uma dentadura humana

Com a boca bem aberta

A gargalhar de minha própria tragédia

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Sete léguas

Escassas palavras

De quem alvoreceu

Tão pálido, que quase fosco

E anoiteceu numa brancura sem fim

Lívido de fome, como um lírio de defunto

De mãos entrecruzadas e sem saber pra onde ir

domingo, 25 de julho de 2021

Alguma coisa

O tremor das madrugadas

Vive da partilha do desamparo

Dos braços que se desbraçaram

Das mãos que se desabusaram

Dos olhos que, distintos, correm às vistas

Das flores dos segredos decantados

Hoje, tudo em mim fala muito

No silêncio de quem grita encaixotado

Tudo em mim me diz, gutural

No oco do meu peito que ainda bate

Que o silêncio do seu caminho

É minha certeza pregada na parede

Não sei mais viver sem você.


sábado, 24 de julho de 2021

Insônia indômita

A memória, encruada

Não sai sequer ao quinto banho

É a lógica perdida das cambraias

Que envolveram nossos segredos

E percorreram nosso corpo, sem medo

Na lembrança do que foi mais desejado

E agora, à lua cheia

São páginas abertas de um diário

De quase três anos de escrita

Onde, solitário, meu pranto derramo

Sem que nem eu mesmo possa ver

Para poder te esperar de braços abertos


Sem ter bem pra onde ir

Dormi a tarde inteira

Esperando a febre que não veio

É só um resfriado

Fruto da friagem e do percalço

Senti seu abraço me envolver

No sonho, calado, profanado

Do qual sorriu e se afastou

Ao dizer que bem depois pra mim voltava

E avistei uma pilha de louças

Esperando por minhas mãos

E minhas unhas, que te tocaram

Querendo a poda

É preciso levantar

E enxugar o pranto

Para te ter, serena

Em meu pensamento

De volta, pra mim, como um par de olhos esguios

Verdes chamas do meu amor sofrido

Meu fio de prumo, meu ponto futuro.



sexta-feira, 23 de julho de 2021

Regressão

Gastei sola de sapato

Do rascunho da minha alma

Quando aportei em seu peito

Para ver nascer o sol

Para ver deitar o breu

Sobre as madrugadas tão nossas

Para te acender o abajour

Para fazer valer o seu momento

Proibido, errante

De quem beijou a foto ao acordar

Todos os dias

E fez derramar a lágrima

A lágrima da dúvida do devir

A lágrima da fé cega no porvir

Da cabeça aflita

Que não vê saída na neblina

E vê brotar sua voz ao pé do ouvido

Na minha orelha devorada

E me faz caminhar, sem sentido

Na direção desse abismo

O abismo que é viver sem você.

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Fartos, deu

A tragédia da minha rua

É a névoa que me procura

Nos cotidianos perversos

No desvencilhar dos beijos

Na prole que não virá

Dos amassos empertigados

Que deixei em frente à estátua

Doze dias atrás

Pelo resto da vida

Pra te ter aqui dentro

Como um bom monólogo

Do quão feliz fui um dia


domingo, 18 de julho de 2021

Cerejeira

Enfurnado, abri a fresta ao sol

E vi entrarem seus raios assobradados

Ao pé, os paradoxos de quem teme

Ao norte, as maravilhas do porvir


E sorvi sua pele em brasa

A entumescer meu coração desesperado

A pôr a perder as vãs certezas

A desbravar seu peito adorado


E me pus a pensar, ensimesmado: 

Onde está a viga-mestra da ternura?

No amor proibido de quem se procura?

Na solidez de quem me amou tanto assim?


E, ciente, denotei sem espargir:

Quero seu colo, seu peito e seu beijo perdido

Sua alma aquecida, seu olhar bem aqui

Quero o percalço, o mais fiel de todos os erros 

sábado, 17 de julho de 2021

Como grão de areia no deserto

Jogou-me ao vento

Ao vértice frágil do desmontar

Ao ver-me, ressabiado, expiar

Meus pecados no parvor de quem chorou a noite inteira


Nas lágrimas que me lavaram a face

Nos teus olhos refletidos nos meus

Em nosso sorriso colado, em nossos narizes

No esfregar das nossas almas perdidas


A lembrar-te, louco, uma semana atrás

Em meus braços, a me marcar com teu perfume

Para agora ser só lembrança...

Para ser um grão de areia esvoaçante no seu peito...


E sem saber, se meu defeito

Foi amar-te demais ou descolar da tua mão

Se foi beijar-te de menos, se foi expor de menos minha quentura

Sou, agora, nova criatura. Segurando sozinho nossas iniciais.

Vendo nosso balão subir.



sexta-feira, 16 de julho de 2021

Acorde

Meu horizonte é verde, meio acinzentado. Tem raios vermelhos de sol, onde tudo é muito branco e róseo. Tem as cores que não mais tingi, da minha vida desbotada, tão fora do tom. Tem o aperto em um banco de pedra, tem as preces para te esquecer. Meu horizonte tem o pecado rasgado das tuas formas, tem o desvanecer da tua voz, ao pé do meu ouvido ou bem distante, a se despedir, a escapar pelas minhas mãos. Meu horizonte tem a negrura dos meus dias sem você, e o brilho dos seus olhos, cravados no meu peito, olhos que percorri com os meus, dentes que me sorriram, tantos em tão pouco espaço que pareciam refletir toda a alegria do mundo. Ao seu lado, estou de luto, procurando o seu perfume no meu pulso. Que ainda pulsa. Pelo que fomos. Para que a dor parta daqui. Pelos seus raios de sol que me dão sentido. 

sábado, 26 de junho de 2021

Pé de moleque

Desviei na esquina fria, em verbo, no sobressalto de quem viu sua sombra, incandescente como o fogo-fátuo, emanada do terreno pantanoso das incertezas que habitam os corações de quem tem pressa. Quis correr atrás, e segurar com minhas mãos aquela chama azul, que bailava na beira de um rio caudaloso em meio ao matagal. Era a chama do perigo. Tenho te guardado no bolso do paletó, como uma lavanda de lapela. A face mais cândida, que inflama o meu abrigo, que me traz a paz em meio a tudo o que desmorona à minha volta. O fogo-fátuo e a lavanda de lapela. As duas faces de quem me faz descer, correndo, a íngreme ladeira. Meu perigo, minha paz. Uma só alma.

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Quadrante

Quero ver só sua força estranha pairar

E tomar conta de tudo, estraçalhar as vidraças

E fazer deitar as carcaças, a secar sob o sol

Como se fossem retalhos de quem fui e não sou mais


Hoje, estou em um tanque, embebido no que sou

Parvo de achar que é a dureza é tanta

Morto de amor, com as canelas esticadas

Como se fosse peça à mostra, objeto de análise


Um estranho caso de alguém que se rendeu

E preferiu ficar bem quieto, no formol

A enrijecer o bem e a dor por quem sentiu

A flutuar, bem ávido, o amor de quem morreu


Pois que há de se beijar o sapo, e fazer reviver

Levantar do tanque, caminhar nas pradarias

Fazer cantar e ganhar cor

Debruçar por sobre teu muro, te olhar mais profundo.

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Diário de uma barba mal feita

Tenho varado madrugadas

A ver seus pés distantes

Seu sorriso cheio de dentes

Seus cabelos, que acastanharam


A ouvir sua voz, rouxinol

Seu nó aqui no peito

Meu beijo proibido, abandonado

E minhas mãos queimadas de frio


Tenho varado madrugadas

Estafado, cheio de dedos

A ouvir suas novas certezas

Sem conseguir te descolar daqui

sábado, 12 de junho de 2021

Derreter

Te encontrei na esquina fria

Das noites tão breves, excitantes

E vi no teu olhar em tom musgo

O saber de quem me devorou


Você soube ver nos meus olhos, chocolate

A peça que me faltava, minha válvula

Meu pedal, meus botões, suas mãos

Fui um homem de lata sem coração


Você me pôs em meu lugar

Aqui, nas cobertas, sozinho a te esperar

A nado, bem longe, tão perto assim

A me espreitar de olhos bem fechados


Sou seu melhor molho, o seu empapuçar

E nunca me esqueci de quem eu sou

Sua metade perdida, sua aberta ferida

Seu, mesmo que o mundo me diga o contrário


A revirar calendário, a te esperar tanto assim...


segunda-feira, 31 de maio de 2021

Prelúdio

Pus o mais belo raio de sol no bolso do colete, e senti abrasar meu colarinho, me fazer esgarçar as golas como quem fosse explodir. Fogo da divina esperança, nove de ouros, minha prece e meu luto. A glória e a tragédia de quem se revira de amor e se contorce de dor. As muitas madrugadas. Em claro, com copos d'água para apagar o sol e fazer a lua cheia surgir no céu. A maior das luas, a mais brilhante. Mas o brilho que vem da lua, está distante dali: é apenas impressão. Brilho maior está no calor dos dias, que brotam sucessivamente até fazer com que a nossa chama, enfim, se apague. É o incendiar de duas voltas em torno do sol que faz minha lua, ao bailar em torno de si, brilhar. Se tudo parasse no tempo, não brilharia! É o seguir dos dias que a faz brilhar, em sua marcha ao infinito que não verei. É o universo de seu olhar sorridente, um cosmo verde, rodeado por estrelas marrons aqui e ali. Tons distintos. Este firmamento não se apaga com o calor dos dias: está aqui, tatuado do avesso, como se minha carcaça pudesse abarcar, em si, tudo o que existe no mundo. Um inventário do nosso segredo. Minha luz de estimação.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Sobressalto

Enrijeço, à espera da febre

Com as janelas aflitas para o que há de vir

E a ti, em sombra, rabisco no papel

De olhos bem abertos, a me fitar

Com seu sorriso magro, com sua doçura

E sua antítese, o silêncio. Que retumba.

Que me trancou há um mês.

Que engoliu as chaves.

Daqui da alma.

domingo, 25 de abril de 2021

Como alma pendurada no curtume

Perdi as mãos, as lágrimas e o olhar. Cego de poesia, tempos atrás, grávido de dor, deixei que o imaginário me conduzisse a um paraíso sem nervos expostos, onde a ambrosia era não sofrer, não soluçar, não me virar do avesso, não me entorpecer. E se passaram tantos anos! Estou prateando, a mudar as feições e o jeito de falar. Prosperei das coisas da matéria. Tive tranquilidade no lar. Mas perdi as mãos, as lágrimas e o olhar. O brilho que, refletido, "fala de umas coisas que eu não posso acreditar". E pedi por mais brilho, por mais de dois anos, e que o tempo me fosse amigo para, na viração, encontrar uma saída. E até rezei. Perdi o encaixe. Não sou mais poeta. Perdi meu brilho. Mais brilho. Perdi as mãos, as lágrimas e o olhar. Por dez dias. Por bem mais. Por meu brilho, reconquistei a dádiva de poder chorar. Meritocracia.