quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Depois de tudo, um cigarro apagado

Creio que os bregas fonogramas de Lindomar Castilho são bom remédio para meu refluxo. A vitrola, dos tempos do Figner, faz soar o tema triste da canção depauperada, com a voz empostada de um cantor de bordel. E a voz do meretrício canta boleros de amor eterno, no bailar atochado de um casal de um salão lúgubre no Largo do Estácio. Ela, de vestido grená. Rosas amarelas pintadas no tecido, cabelo preso em coque, boca pintada de carmim. Ele, o bom malandro, metro e setenta de furor e fúria, louco a rasgar as vestes alheias e possuir a filha do próximo. Sai Lindomar, vem Elymar. Escancarando de Vez. As mãos se torturam, se enroscam, trocam suores e odores. Ah, como é sui generis o cheiro das mãos naqueles momentos! E bocas se enfrentam, pernas se afagam, dedos se triscam e dentes se raspam. A língua, quente, repete o hálito sujo dos drinques baratos das luzes vermelhas. São dois vulgares, perenes, em saliva, obturações, pontes e resinas. É o encontro de duas bocas que nunca se viram e que apostaram na canção rasgada de um cantor de quinta. Que se coma o fruto até o fim! Nesta noite, no Largo do Estácio, são bacharéis os dois libertinos, a desafiar a moral pública e dar bom dia à ressaca em uma cama de motel barato. Exaustos, perdidos, imundos, fecundos. Suados e sujos, marcados e frágeis, ao bambejarem suas pernas cansadas. Esta é a dor do amor, a dor da exaustão. Enquanto se faz desta dor uma doce morfina, o amor é eterno e o profano é sagrado.