quarta-feira, 23 de junho de 2010

No que diz respeito ao tempo


No que diz respeito ao tempo, estou há tempos a pensar nos teus abraços. Sinto falta de tua boca de carmin, de teus cachos cocottes, de teu vestido melindroso... sinto falta de tuas lantejoulas, de teus paetês, de teus carnavais. Sinto falta de nossos bailes nos Fenianos, cem anos atrás, quando as vozes nos brindavam em velhas taças de champanha. Das sessões da Cinelândia, dos bailes de charleston, dos goles de paraty
, das noites de Anno Bom... nada mais restou. Das cennas mudas, os talkies levaram o branco e o preto. Da Cruz de Malta, viva lembrança dos oitocentos, camisa preta deixou de ter e retomou aquela faixa branca dos remadores. De Campos Salles, Rodrigues Alves, Venceslau, Ruy, Pinheiro, Passos, Seabra, dos irmãos Azevedo, de Fred Figner, do bom Bahiano... por onde andam suas velhas almas? por cá, em terra, nada mais restou.
E das serestas nas janelas de uma vila no Lins? Os velhos violões dos portugueses, que entoavam fados lamuriosos, ouvidos pelo povo atento dos cortiços aos salões. Sinto falta de teus limões de cheiro, de tua lata de rapé, de tua língua frita na banha, a melhor da cidade. Já não vejo mais açougues e nem amoladores de facas. Já não me vejo mais aqui. Por cá, melindrosa, cem anos depois jaz quem nasceu após a tua morte para morrer após tua vida. Queria eu te emparelhar. Descanse em paz, meu passado.

sábado, 5 de junho de 2010

Pedra do Sal


Dá cá teus lábios, dadivosa. Derrame em floreios tuas prosas e promessas. Inflama minha entranha, causa estranha palidez. Espoca as champanhas, espanta as campanhas, diz-me a verdade. Suba, melindrosa, os pedregulhos da Pedra do Sal com bons ares e sombrinha. Beijo-te a nuca. Explora-me a cada passo com tuas mãos, toca-me com a suavidade de tua alva pele e espia-me acordar. Me chama, mafiosa. E cada passo teu no requebrar de tuas ancas, sobem os dois brancos cambitos que dão-me esperança: a cada degrau, um mural. A cada querela, uma tela. Enumera, sorridente, os contos alegres de teus dezoito anos. Conta teus pontos, teus mantos, teus sonhos. Conta teu pranto. Morde teus lábios, serena. Pisca teus olhos, e clama: quero-te agora, aqui e pra sempre. Faz-me acordar o corpo na hora e a mente segundos depois, deitado na cama...