quinta-feira, 24 de março de 2011

Os seus nove
























Dá cá, cara lembrança, o doce flan de caramelo. Calda saudosa de sabor amargo, gosto passado, voz de saudade de minha velha infância. Lá, menino imberbe, foste a mão salgada nas cantinas de escola. Pastel de forno, risole e hot dog. E a garrafinha de 50 centavos. Foi tua a voz amiga a me consolar nas derrotas e a exaltar as mais serenas vitórias. Foste a voz perdida a cantarolar as tuas dores e suores, as boladas nas queimadas e os dentes perdidos nos pisos de concreto. Fomos os sermões das freiras, sem eiras nem beiras, a soluçar promessas vãs. Somos, tal qual velhos pequenos, as mesmas crianças de treze anos atrás: em lembranças futuras, velhas palavras e ácidos sonhos.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Na Batucada da Vida

Incólume, alvejo em sóbrios olhares teus dedos nus por meus cabelos. Díspares cenas de amor rasgado e rasgar de amores, mórbidos sorrisos e golfejos perante a tua prece. Prece em que pede, em uníssono, a pérfida prole que há de vir: três meninos de bochechas rosadas e calças curtas, a chutar bolas de plástico e riscar o piso da sala. Fábrica de dores e flores, óbitos e reflorestamentos, somos a íncrivel capacidade de ressurgir nossa ínfima existência perante amores e esperanças, muitas vezes vãs, de ardor e felicidade. Trocamos alianças, véus, grinaldas, gravatas e togas. Vai-se o canudo para a prateleira, o diploma para a parede, a certidão para a gaveta e a vida para um caixão. Ou, em final deveras poético, como cinzas ao mar. De que vale então a nossa procissão? Vale do gozo permanente de sobreviver ao lado da pessoa amada, em seus momentos de mais puro ócio ou decisiva agitação. Somos os mesmos, quando juntos, na sala de tarde ou na posse do Planalto. No desemprego ou na fartura, no desamparo ou na fausta, na morte ou na vida, na sorte ou no azar. Guarnições do mesmo prato, a trocar apostas e batidas de pés, teimosos que somos em busca de um altar...