sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
A angústia de quem vive
O teu desespero, quebranto, esgoela em prece a dor qualquer. Pois grita, em fá, a morte em vida, o teu penar, o teu escárnio. A doce esculhambação. E humilha, enguia, o teu ato de despudor e morticínio. Tu mataste dois. Estica as canelas, cola os joelhos, põe teus pés no chão. Respira fundo, rascunho de mulher. Solta teus dedos, presos uns aos outros, espalma as mãos e explica, vai. Me conta dos teus nãos, dos teus gritos, dos teus alentos. "Não repita isso com ninguém". Lava a alma, canta e bate perna por aí. Conversa com tua algoz maior. Ouve o retrocesso. Abre o espírito, ouve quem já foi! só o morto em vida sabe contar. Flechado de cima a baixo, com o pescoço preso por garrote vil, ele detém o diamante mais puro e desejado. Com sua gema gêmea desaparecida prematuramente, o mineral bebe e come todo dia o teu sofrer, colombina, sem pestanejar. E, diamante que era com cor de diamante, toma rubros tons e se faz encarnado. É o peito sangrando do poeta, é a prole desfeita, é meu ouvido entupido, é teu ouvido de mercador. Tua palavra vazia, tua mão tão fria, teus cigarros, teu cálido perdão. Uma ova. O diamante, que ontem só te dava a especiaria que é o amor verdadeiro, hoje controla o corpo do herói e afasta quem quer lhe afagar. Embebeda a mente, descrente, e faz o sonho desmoronar. Pierrô daquele que cria elos até demais. A eles, fadados à eternidade, o penar será reservado mesmo no dia da vitória final.
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