"Eu me importo. Me importo, me importo. Esperneio. Grito, xingo, bato. Até que, no fim, já nem me importo mais.", balançavam as folhas do pé de limão galego em algum dia de tempos atrás, enquanto lagartos que mais pareciam triceratops corriam à procura das cabeças uns dos outros, em um estranho rendez vous de canibalismo animal. Engoli com força, pois o refluxo ardia o esôfago, mais um gole d'água gelada. Passara a noite inteira no congelador.
"Agora, se você me fizer mal algum dia", prosseguiu, "eu juro que te bato. E, se me trair, eu te mato." Parecia que não nos deixaríamos nunca mais. Todas as noites, beijávamos de sufocar, jurávamos, xingávamos. Fazíamos planos afoitos para o almoço e para os netos. "Você vai ter que me esperar. Já está em outra etapa da vida.". Um magro cowboy, bem-sucedido em suas vestes de príncipe e um bom marido das obras de Nelson Rodrigues e Jorge Amado. Isto é, um otário. "Com cara de pai", ela acrescentava. Por muito, muito pouco, não se casaram pouco tempo antes. Lucas ficou com medo de desamparar os pais em um momento em que a família parecia desmoronar em uma daquelas sequências rodrigueanas, onde tudo acontece ao mesmo tempo.
E, assim, se amarfanharam nas paredes da Urca, se devoraram ao som das cigarras - sem jamais terem visto uma - e conversaram quilômetros de divagações, dúvidas, questionamentos, proposições, projetos, sonhos, ilusões e promessas. Se colocássemos em sequência tudo o que foi dito, daríamos a volta ao mundo em quatro meses. Ele amou sem sentir medo. Encontrou forças onde não tinha para enfrentar velhos fantasmas, os exorcizou e beijou cada palmo daquela pele branca como o capitão de um time beija a sua taça. Como a conquista de uma vida inteira, tão esperada, que se personificava em alguém que, antes, ele nem imaginava conhecer. Mas que estava ali, em todas as configurações pedidas em seus mais íntimos sonhos, a ser dele por algum tempo.
Mas não por todo o tempo. As promessas se esvaíram, adveio a desimportância. E surgiu uma estranha batalha para conhecer de perto o âmago da amada, que já sabia nunca mais ser sua, que se desfez da pior forma possível. O avesso do amor não é o ódio. O avesso do amor é o não-lugar. Aflito, ele pôs tudo em uma pilha e ateou na fogueira. Só esqueceu de combinar com a Memória, onipresente e onipotente, que faz virar saudade cada palmo do melhor sonho que viveu em vida cada vez que o poeta da ineficiência cerra os olhos para dormir.