domingo, 25 de abril de 2021

Como alma pendurada no curtume

Perdi as mãos, as lágrimas e o olhar. Cego de poesia, tempos atrás, grávido de dor, deixei que o imaginário me conduzisse a um paraíso sem nervos expostos, onde a ambrosia era não sofrer, não soluçar, não me virar do avesso, não me entorpecer. E se passaram tantos anos! Estou prateando, a mudar as feições e o jeito de falar. Prosperei das coisas da matéria. Tive tranquilidade no lar. Mas perdi as mãos, as lágrimas e o olhar. O brilho que, refletido, "fala de umas coisas que eu não posso acreditar". E pedi por mais brilho, por mais de dois anos, e que o tempo me fosse amigo para, na viração, encontrar uma saída. E até rezei. Perdi o encaixe. Não sou mais poeta. Perdi meu brilho. Mais brilho. Perdi as mãos, as lágrimas e o olhar. Por dez dias. Por bem mais. Por meu brilho, reconquistei a dádiva de poder chorar. Meritocracia.