quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Ressureição do Castor

Foto: Colin Foster - Portal Sidney Rezende
Uma das lembranças que eu tenho do Bangu foi a do estardalhaço causado pela contratação de Renato Gaúcho para o Campeonato Estadual de 99. Renato estava sem clube desde o início de 98, quando foi dispensado do Flamengo, e já fizera algumas incursões como treinador interino do Fluminense. Ainda que prematuramente, aquela dava mesmo mostras de ser a última temporada de Renato no futebol. Ao lado de jogadores que marcaram época em um tempo de vacas magras em Moça Bonita, como o volante Marcão, o meia Renatinho e o atacante André Biquinho, Renato excursionou pelo interior do Brasil durante a pré-temporada. Acreditavam os dirigentes bangüenses naquela época que o gran finale das temporadas 1933 e 1966 se repetiria em 1999 com a equipe comandada por Alfredo Sampaio. Aquela foi a última vez em que o Bangu foi notícia. Para os que acompanham o futebol alternativo, os mulatinhos rosados marcariam presença no Módulo Amarelo do Brasileiro de 2000, onde fizeram uma boa campanha. Depois disso, campanhas cada vez piores no Estadual e parcerias mal amarradas com as empresas Gortin e Hability levaram o Bangu à Série B após uma péssima campanha no campeonato de 2004, coroada com uma goleada em casa para o rival América. Durante a disputa da segunda divisão em 2005, 2006 e 2007, não foram poucas as vezes em que Rubens Lopes, o todo-poderoso de Moça Bonita desde a morte de Castor de Andrade, apostou em parcerias com empresários e times da primeira divisão. Cabofriense, Madureira e Friburguense emprestavam compulsoriamente, e a troca sabe-se lá de quê, seus atletas para a tradicional equipe. O Bangu chegou a firmar um patrocínio com um famoso empresário do ramo dos bingos no Rio de Janeiro, que bancou do próprio bolso a contratação do artilheiro Sinval para a Série B de 2006. Nada disso deu certo. A péssima campanha do ano passado, onde o Bangu entrou em campo com os juniores e "reservas-dos-reservas" do Madureira, acendeu o sinal de alerta em Moça Bonita. Para 2008, já sob o mandato de Jorge Varela, o clube seguiu a receita de sucesso neste tipo de situação: investimentos ao tamanho do bolso e entrosamento. Antônio Carlos Roy, ótimo treinador, foi emprestado pelo Resende, assim como grande parte da equipe do alvinegro do sul-fluminense. A folha salarial era modesta, e os salários raramente ultrapassavam R$ 1.500. O zagueiro Anderson Luiz, vindo do Vasco, era um dos mais bem pagos e nem como titular ficou. O acesso do Bangu caiu nas mãos de garotos bons de bola como os atacantes Hiroshi e Bruno Luiz, a caminho do Botafogo, e do experiente goleiro Cléber Moura, que se tornou ídolo da torcida bangüense após caçar borboletas por anos no Madureira. E a maior vitória do Bangu: a volta de sua torcida. Não foram poucas as vezes em que Moça Bonita recebeu bons públicos. Na decisão contra a Aperibeense, o estádio estava praticamente lotado pelos vovôs de 66, os jovens coroas de 85 e a garotada de 2008. Parabéns pelo título, Bangu!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Aos 25 Sem Janete

No início, fazia-se rádio como se prepara uma mamadeira para um bebê. Os radialistas esquentavam a mistura, que provavam de cinco em cinco minutos para ver se era do agrado. Nunca descobriam a temperatura certa. Havia uma febre nacional por falar como César Ladeira, escrever como César Ladeira, lançar artistas como César Ladeira... depois, surgiu a necessidade de se aproveitar do caráter despertador do imaginário que o rádio começava a ganhar. Se antes se imaginava um rosto belo para o feio Ladeira, um público cada vez mais popular parava o que estivesse fazendo para ouvir histórias sem imagens, como se fossem índios em volta de uma fogueira. Alguns redatores adaptaram radionovelas estrangeiras com extrema competência. "O Direito de Nascer", por exemplo, fez o Brasil congelar seu pensamento na literatura cubana de Félix Caignet. Mesmo quando surgiram as primeiras tramas brasileiras, como "Jerônimo", de Moisés Weltman, a influência da temática e da estética do rádio estrangeiro foi predominante. Um verdadeiro contra-senso para o meio de comunicação que mais cantou a brasilidade. Ao contrário do jornal e das revistas - galicistas durante a sua popularização - e da televisão - filha das chanchadas, cópias mal feitas do que de pior havia em Holywood, com o que de bom havia no rádio - o meio radiofônico tornou-se essencialmente brasileiro tão logo se tornou popular. Faltavam as radionovelas. E Janete Clair, com habilidade ímpar, fez de anúncio no jornal um dos maiores sucessos da história do rádio no Brasil. "Vende-se um Véu de Noiva", texto recentemente comprado pelo SBT, foi um dos pioneiros na tentativa de se retratar a realidade e o pensamento do povo tupiniquim em um meio que a cada dia necessitava falar de forma mais íntima com seu povo. E foi assim, desta relação de intimidade, que a espantosa Janete teceu dezenas de tessituras. Novelou e desnovelou tramas, entrechos e centenas de personagens. Fez o país parar por muitos primeiros e últimos capítulos. E escreveu absurdamente. Janete era uma máquina de escrever. Ao nos deixar de forma ainda precoce, deixou um espaço que jamais foi preenchido: a de usineira de sonhos que falava a seu povo com a intimidade que só o rádio lhe ensinou, e com o domínio da estética da TV que somente uma boa telespectadora como ela poderia ter.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A Diferença Entre o Ser e o Não Ser

Qual é a diferença entre a saudade de uma noite estrelada ou a esperança de uma noite nublada? Simples: é o grau de certeza que temos naquilo que nos dá motivo. Tudo o que dá motivo ao continuar é válido quando acreditamos que dele depende a nossa felicidade. Observar e contar estrelas enquanto nos lembramos dos momentos felizes que não vivemos e das tristezas que não passaram pode ser apenas um pensamento chato em uma paisagem bonita. Ter certeza do que queremos - nas noites estreladas, nebulosas e até sob um dilúvio - é o fio de prumo na busca da felicidade. Ser eterno nos dias em que se busca o passageiro é ser constantemente apaixonado pelo o que nos dá motivo, seja lá como nos pintar o céu.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Chicago, Chicago...

Al Jolson, um russo radicado nos Estados Unidos, cantou a Chicago da Grande Depressão como poucos. Em um de seus maiores sucessos, bradou para que os microfones mecânicos pudessem captar que nenhuma cidade simbolizava o cotidiano do “crack” quanto ela. Na Chicago do início do século, nasceu o cartunista Walt Disney, acusado até hoje de ligação com grupos ultraconservadores, ao mesmo tempo em que suas empresas, oitenta anos depois, são vistas como instrumentos de erotização precoce. Chicago de Punky, a Levada da Breca, Chicago de Jordan, Pippen e Rodman – três negros – que encantaram o Mundo com o melhor time de basquete que viu jogar... Chicago da crise, do caos e de gente, muita gente. Gente por todos os lados, e muito calor. E nem faz tanto calor assim. Chicago é uma cidade abafada, com quase cinco mil habitantes por quilômetro quadrado. Foi na Chicago cantada pelo russo Jolson, pintado de negro para interpretar um cantor de jazz em Holywood, que surgiu para a política mundial um dos mais surpreendentes fenômenos eleitorais da história. Barack Obama, quarenta e sete anos, saiu do limbo político tradicionalmente reservado aos excluídos para a chefia da bandeira mais influente do planeta. Com mais de um milhão de moradores de Chicago sob os pés em um discurso histórico proferido em uma madrugada, Obama não é mais um branco de rosto pintado. Tampouco um filho das massas que busca no uísque, no golfe e nas bolsas de valores o carimbo da superioridade intelectual. Até agora, o novo presidente dos Estados Unidos é de coerência admirável. Pai de família correto, aparenta ser espirituoso e cortês com seus interlocutores. Tem em si mesmo uma fé que chama a atenção, e que foi capaz de derrotar os caciques democratas – todos eles por Hillary – nas convenções do meio do ano. Foi também de sorte incrível ao contar com a escolha da histriônica Sarah Palin, candidata a uma das mais folclóricas presenças políticas do milênio, responsável pelo tiro de misericórdia na campanha de John McCain. Sarah, o atraso de saias, “traiu” o eleitorado conservador ao permitir que uma de suas filhas se perdesse ao Mundo e engravidasse do namorado. E, pois, a musa-beata será avó de um filho de mãe solteira. McCain, veterano do Vietnã, representa o perfil de sempre. Ex-combatente, bem nascido, bem formado. Adepto indócil dos costumes “american way of life”. Excelente caráter, de acordo com seus conviveres. Porém, a representação republicana do que sempre foi feito. Feito e por anos eficaz. Porém, a depressão econômica que se avizinha, de efeitos tão imprevisíveis quanto Jolson e Disney imaginavam em 1929, pede um repensar quanto ao papel do Estado na economia. O personalismo político, fenômeno presente na eleição de Obama, volta com força total na medida em que se torna necessária a presença tentacular da máquina federal na busca de soluções para os problemas do cidadão comum, endividado e sem saber com que receita pagará suas contas no próximo mês. Em 32, o povo americano buscou no carismático Franklin Roosevelt, a personificação do capitalismo de Estado, uma forma de saciar o ronco do estômago. Hoje, quando bolsos, carteiras e contas amanhecem cada vez mais furados, o nome de Barack Obama parece ser o mais indicado para os desejos da classe-média norte-americana: um líder carismático que os guie à superação.