sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sobre Probidade


Nem tudo o que é bom está na lei. Nem tudo o que está na lei é bom. Nem tudo o que é bom pode ser legalizado, tampouco o que é mau proibido. A lei, em todas as suas esferas, depende das vontades para se fazer presente. É preciso repreender o vizinho que, por exemplo, joga fora um velho sofá nas escadarias de emergência do edifício. Isto não está e nem estará na lei, mas põe em risco as vidas de centenas de pessoas. Os crimes ambientais, que começam em atitudes despropositadas nos ambientes urbanos, vão do infimo ao catastrófico compartilhando a mesma desatenção ao mundo em que vivemos. É preciso, antes de mais nada, se auto-policiar. A melhor diligência para as más atitudes está no exercício da cidadania. É este exercício, pedagodiário, que irá renovar nossas matas, limpar nossos mares e rios, desbloquear nossas escadas de emergência e tornar mais puro o ar de nossas cidades. É muito simples atacar o grande capital e seus interesses, de já milenarmente conhecidas influências, sem tomarmos atitudes simples em prol do nosso país. Você já pensou em quem vai votar para deputado estadual? Não caia no engodo da Ficha Limpa, analise - sim - a ficha criminal do seu candidato, mas, sobretudo, confirme se sua prática diária converge com a de um cidadão comprometido com a mudança.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Eu também tenho um manifesto

Cadê a verve, a plebe, a mente sã e a voz solene? Cadê o sangue do povo, cadê o dedo do povo, cadê o senso de povo? E o senso do povo, cadê? Fala-se em nome dos brasileiros, mas qual de vocês é, de fato, brasileiro? Vazias de brasilidade, as aspirações de todos vocês são um amontoado de parcerias público-privadas: pagamentos mensais de R$ 900,00 a uma atravessadora pelo aluguel do aparelho de ar-condicionado que adornará, no sol e na chuva, as salas de aula dos colégios estaduais localizados na Zona Sul e na Grande Tijuca, fornecimentos a cargo de um único concessionário - de origem, métodos e anseios obscuros. Assinam sem ler, promovem o caos ambiental, a especulação imobiliária, diminuem o poder de compra do salário mínimo e alardeiam, ao final de cada mandato, o tal "aumento real": saímos do irrisório, chegamos à "Era do Péssimo".

A Constituição de 88, ao adotar como forma de governo um pastiche de presidencialismo que colocou o executivo de joelhos ao legislativo, impôs e eternizou nas diferentes esferas deste poder toda a classe de oligarcas e mafiosos. Alguns me falarão no novo "Ficha Limpa". Você confia na justiça praticada nas Alagoas? no Maranhão? no Amapá? Estão todos aí, candidatos e favoritíssimos a voltar. Sarney nunca foi condenado. Collor, idem. Maluf, desde os tempos do escândalo dos fusquinhas da Copa de 70, jamais deixou a cena política. Confias nas decisões de nosso judiciário?

No intercurso de mais um processo eleitoral que se inicia, é fácil apostar que os atuais mandatários da República não terão qualquer compromisso com o pacto social firmado pelos idealistas que, em 15 de novembro de 1889, saracotearam ingenuamente pelas ruas do Rio de Janeiro atrás do trio elétrico de José do Patrocínio. Não há qualquer ligação, de sangue ou ideais, com os princípios mais elementares da verdadeira democracia e do autêntico espírito republicano. Políticos profissionais, fazem de cada eleição um concurso público: garantia de uma boa aposentadoria e de um plano de saúde tão sofisticado que faria delirar o simples contribuinte, já que oferecem acesso aos mais caros tratamentos no estrangeiro.

Nada tenho contra bons salários e benefícios que favoreçam a quem trabalha. Um dos maiores males do Brasil pós-moderno está na escassez de bons empregos e nos baixos salários. A questão salarial, abandonada pelo governo há 46 anos e nem de longe tocada pela Nova República, exige atenção e medidas urgentes. O custo de vida nas grandes capitais, onde a especulação imobiliária avança com velocidade muito superior às ações administrativas de combate à miséria e promoção do desenvolvimento local, torna a cada dia a vida da verdadeira classe média um tormento de contas e tributos. As privatizações, apresentadas como solução, apenas retomaram o panorama anterior às estatizações - sim, pois a maior parte dos serviços privatizados quase sempre pertenceu à iniciativa privada - com maus serviços e tarifas extorsivas. Pedágios em vias urbanas, a obscena rede de transportes do Rio de Janeiro - que acaba de provocar mais uma tragédia - sistema de telefonia confuso, assim como a aberração administrativa que é a partilha de uma cidade inteira, no caso de Duque de Caxias, entre duas concessionárias de energia elétrica, certamente um descalabro administrativo.
Na Educação, campo no qual militei por anos através do bom movimento estudantil e no início de minha atividade profissional, como coordenador de atividades extra-curriculares, o sucateamento físico das escolas estaduais, que mais parecem velhos presídios, convive com medidas paliativas que em nada atingem o cerne da questão: pouco conhecimento é absorvido, há conhecimento inútil nos programas curriculares e conhecimentos úteis que ficam de fora. Disciplinas ligadas à Era da Memorização, inadeqüadas à Era da Contextualização em que vivemos, são repetidas e incentivadas pelos programas dos vestibulares e concursos públicos, portas de entrada de muitos jovens de classe média para o ensino superior e o mercado de trabalho.

No campo da saúde, com uma distribuição confusa entre as três esferas do Executivo, há ainda a criação de um quarto modelo de gestão: as Organizações Sociais. Quando entregues a grupos comprometidos com a coisa pública, são uma alternativa aos processos burocráticos típicos da administração estatal no Brasil. Quando entregues a mãos erradas, como tem acontecido, são um convite ao peculato e à prática de uma política empregatícia que repete o que há de pior na mentalidade empresarial brasileira: corte de custos através de demissões e arrochos salariais, sem jamais viabilizar novas receitas que permitam admissões e reajustes. Há enorme defasagem salarial entre os celetistas destas organizações e os servidores públicos dos orgãos ligados a elas. Isto advém do dispositivo constitucional que impede o acesso, em todos os níveis e cargos, de brasileiros capacitados a ocuparem postos na administração pública sem que, para tanto, participem do desembestado processo seletivo dos concursos públicos, que ao longo de 22 anos de obrigatoriedade só serviram para financiar a máfia dos cursinhos e entulhar a administração de despreparados "bons-de-prova", processo que não exige competência profissional, compromisso com a coisa pública tampouco preceitos éticos.

O atual panorama, de abandono dos valores democráticos e republicanos, só pode ser sanado com o surgimento de uma nova força: uma força que abarque vontades e se apresente como uma alternativa ao proto-bipartidarismo que vivemos. Somente com a derrota, pelas mãos do povo, dos dois lados da mesma moeda e de seus partidos-satélites, poderemos reintroduzir no Brasil os preceitos defendidos por nossos heróis nacionais - homens, mulheres, negros, brancos e índios que lutaram, seja espontânea ou articuladamente, por um país desenvolvido, justo com seus filhos e portador de uma nova mensagem para o mundo.