quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Eu também tenho um manifesto

Cadê a verve, a plebe, a mente sã e a voz solene? Cadê o sangue do povo, cadê o dedo do povo, cadê o senso de povo? E o senso do povo, cadê? Fala-se em nome dos brasileiros, mas qual de vocês é, de fato, brasileiro? Vazias de brasilidade, as aspirações de todos vocês são um amontoado de parcerias público-privadas: pagamentos mensais de R$ 900,00 a uma atravessadora pelo aluguel do aparelho de ar-condicionado que adornará, no sol e na chuva, as salas de aula dos colégios estaduais localizados na Zona Sul e na Grande Tijuca, fornecimentos a cargo de um único concessionário - de origem, métodos e anseios obscuros. Assinam sem ler, promovem o caos ambiental, a especulação imobiliária, diminuem o poder de compra do salário mínimo e alardeiam, ao final de cada mandato, o tal "aumento real": saímos do irrisório, chegamos à "Era do Péssimo".

A Constituição de 88, ao adotar como forma de governo um pastiche de presidencialismo que colocou o executivo de joelhos ao legislativo, impôs e eternizou nas diferentes esferas deste poder toda a classe de oligarcas e mafiosos. Alguns me falarão no novo "Ficha Limpa". Você confia na justiça praticada nas Alagoas? no Maranhão? no Amapá? Estão todos aí, candidatos e favoritíssimos a voltar. Sarney nunca foi condenado. Collor, idem. Maluf, desde os tempos do escândalo dos fusquinhas da Copa de 70, jamais deixou a cena política. Confias nas decisões de nosso judiciário?

No intercurso de mais um processo eleitoral que se inicia, é fácil apostar que os atuais mandatários da República não terão qualquer compromisso com o pacto social firmado pelos idealistas que, em 15 de novembro de 1889, saracotearam ingenuamente pelas ruas do Rio de Janeiro atrás do trio elétrico de José do Patrocínio. Não há qualquer ligação, de sangue ou ideais, com os princípios mais elementares da verdadeira democracia e do autêntico espírito republicano. Políticos profissionais, fazem de cada eleição um concurso público: garantia de uma boa aposentadoria e de um plano de saúde tão sofisticado que faria delirar o simples contribuinte, já que oferecem acesso aos mais caros tratamentos no estrangeiro.

Nada tenho contra bons salários e benefícios que favoreçam a quem trabalha. Um dos maiores males do Brasil pós-moderno está na escassez de bons empregos e nos baixos salários. A questão salarial, abandonada pelo governo há 46 anos e nem de longe tocada pela Nova República, exige atenção e medidas urgentes. O custo de vida nas grandes capitais, onde a especulação imobiliária avança com velocidade muito superior às ações administrativas de combate à miséria e promoção do desenvolvimento local, torna a cada dia a vida da verdadeira classe média um tormento de contas e tributos. As privatizações, apresentadas como solução, apenas retomaram o panorama anterior às estatizações - sim, pois a maior parte dos serviços privatizados quase sempre pertenceu à iniciativa privada - com maus serviços e tarifas extorsivas. Pedágios em vias urbanas, a obscena rede de transportes do Rio de Janeiro - que acaba de provocar mais uma tragédia - sistema de telefonia confuso, assim como a aberração administrativa que é a partilha de uma cidade inteira, no caso de Duque de Caxias, entre duas concessionárias de energia elétrica, certamente um descalabro administrativo.
Na Educação, campo no qual militei por anos através do bom movimento estudantil e no início de minha atividade profissional, como coordenador de atividades extra-curriculares, o sucateamento físico das escolas estaduais, que mais parecem velhos presídios, convive com medidas paliativas que em nada atingem o cerne da questão: pouco conhecimento é absorvido, há conhecimento inútil nos programas curriculares e conhecimentos úteis que ficam de fora. Disciplinas ligadas à Era da Memorização, inadeqüadas à Era da Contextualização em que vivemos, são repetidas e incentivadas pelos programas dos vestibulares e concursos públicos, portas de entrada de muitos jovens de classe média para o ensino superior e o mercado de trabalho.

No campo da saúde, com uma distribuição confusa entre as três esferas do Executivo, há ainda a criação de um quarto modelo de gestão: as Organizações Sociais. Quando entregues a grupos comprometidos com a coisa pública, são uma alternativa aos processos burocráticos típicos da administração estatal no Brasil. Quando entregues a mãos erradas, como tem acontecido, são um convite ao peculato e à prática de uma política empregatícia que repete o que há de pior na mentalidade empresarial brasileira: corte de custos através de demissões e arrochos salariais, sem jamais viabilizar novas receitas que permitam admissões e reajustes. Há enorme defasagem salarial entre os celetistas destas organizações e os servidores públicos dos orgãos ligados a elas. Isto advém do dispositivo constitucional que impede o acesso, em todos os níveis e cargos, de brasileiros capacitados a ocuparem postos na administração pública sem que, para tanto, participem do desembestado processo seletivo dos concursos públicos, que ao longo de 22 anos de obrigatoriedade só serviram para financiar a máfia dos cursinhos e entulhar a administração de despreparados "bons-de-prova", processo que não exige competência profissional, compromisso com a coisa pública tampouco preceitos éticos.

O atual panorama, de abandono dos valores democráticos e republicanos, só pode ser sanado com o surgimento de uma nova força: uma força que abarque vontades e se apresente como uma alternativa ao proto-bipartidarismo que vivemos. Somente com a derrota, pelas mãos do povo, dos dois lados da mesma moeda e de seus partidos-satélites, poderemos reintroduzir no Brasil os preceitos defendidos por nossos heróis nacionais - homens, mulheres, negros, brancos e índios que lutaram, seja espontânea ou articuladamente, por um país desenvolvido, justo com seus filhos e portador de uma nova mensagem para o mundo.

2 comentários:

Unknown disse...

Muito bem escrito o texto, parabéns!!!

Testificado e crido disse...

Um manifesto válido,nas condiçoes atuais do nosso país, creio que precisamos levantar a bandeira para a libertação do partidarismo e fazermos a revolução pacífica do conhecimento. As vésperas das eleições notamos que, mesmo com o "ficha limpa" muitos candidatos com o passado esquecido estão livres na tentativa de uma vaga no governo. Podemos sinalizar que não houve grande mudança, a não ser no desenvolvimento do país como um todo. O petróleo da camada pré- sal e os eventos esportivos que esperamos irão impulsionar a economia podem até gerar um sentimento de que "vai dar certo". Contudo , o que é uma grande obra sem um grande criador...
A boa obra depende de alicerces bem feitos e por mais que se tenha matéria prima, é necessário que haja união. E você fala bem disso, quando diz sobre a bipolaridade.Os filhos dos filhos unidos.
Agora, tenho uma ressalva.Hoje temos a probabilidade de vermos uma mulher na presidência. Muitos podem dizer, manipulação. Mas eu digo que pode ser o fortalecimento do lado mais fraco da corda. Voltando ao interior do bolo. De tragédias o Brasil está vacinado. Para sermos educados como antes,falta muito. Mas não percamos as esperanças enquanto temos um Deus no céu e alguns "Lucas" por aí para dissertarem assim.