terça-feira, 13 de julho de 2010

O Ateu que Psicografava


Joaquim, que creditava o crédito ao descrédito, fechava os olhos todas as noites, respirava fundo e refletia sobre nuvens azuis e abóbadas brancas. Sob a abóbada celestial, a pose firme de um herói helênico sustentava, nos dois braços, o peso de toda a humanidade e de suas responsabilidades. Joaquim, tal qual o Atlas da mitologia, era por dois segundos o sustentáculo de todos nós. Por sua mente jovem e ainda sã desfilavam ninfas, seres errantes e rostos disformes. Gritos, uivos e agudas gargalhadas. Seria o apartamento ao lado? O ateu, tão crente em suas enzimas, descrevia formas e cores, acordes sertanejos e beijos no asfalto. Refletia frases de paixão na água suja da piscina e juras de eternidade em sua colcha empoeirada. Na hora de dormir, deixava para fora tão somente seu par de olhos castanhos. Curiosos, empertigados, eram o olhar pretensamente científico sobre o nosso mundo, tão dele, tão nele, tão reles. Pegava o telefone e pedia comida chinesa: todas as madrugadas, o mesmo ritual. Só assim saía da cama. Só assim voltava para nós. Só assim desacreditava em si mesmo.

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