sábado, 19 de julho de 2008

Temos Todo o Tempo do Mundo

Cento e três anos atrás, nada era como antes, nada era como hoje. Era o Mundo recém saído da Era Vitoriana, com os bolsos ingleses e as bolsas francesas. Era o Mundo envolto na profunda neblina da guerra ideológica: anarquistas, comunistas, liberais? Foices, martelos e tiros, caíam monarquias, morriam presidentes e campeava a contestação: o que veio fazer o homem em Mundo de tão grande sofrer? Cento e três anos atrás, no interior do Brasil, o que valia a pena era de um bucolismo quase parnasiano, em uma vida de propaganda de produto de limpeza com aroma do campo. Serestas, mãos dadas, discos quase inaudíveis de gravação mechânica, pharmácias com seus boticários, W, Y e Z no alfabeto e quase todos os brasileiros entre os analfabetos. Nesta vida de poucas pretensões, o riso sincero que herdamos dos índios, a veia chula do português a malícia dos africanos com seus movimentos lascivos e malemolentes se juntaram para formar o imaginário do humor popular no princípio do século vinte. E os palavrões eram gravados e distribuídos para todo o Brasil, através da Casa Edison, a primeira gravadora e editora musical do país. Canções como "Bolseta da Vovó" e "Bolim-Bolacho, Bola Em Cima, Bola Em Baixo" eram com toda a certeza sucessos na boca da garotada de Santa Maria Madalena, no interior do antigo estado do Rio de Janeiro. Anos depois, uma das filhas desta terra batida coberta de mato justificaria o baixo calão dos filhos daqueles tempos com a predileção que os portugueses tinham por este tipo de linguajar, dito por eles com pureza quase infantil, afinal, muitos palavrões dos mais cabeludos para nós eram para os lusitanos singelos subjetivos. Cento e três anos atrás, alguém veio para cá. E ninguém sabia que veria o Mundo mudar. Tudo o que lá havia, cá não há mais. Nem mesmo seus palavrões, hoje adicionados aos aurélios como "instrumentos de comunicação popular" - logo, perdendo o caráter chulo. Não há mais a seresta, a mão dada, tampouco Madalena, que nem santa é mais, é só terra-com-mato. A alfaiataria de seu pai já fechou há décadas, seus irmãos já não vivem mais, e não há quem tenha cantado em roda o "Bolim-Bolacho" que ainda esteja por aqui. Mas havia, meus caros, até poucas horas atrás quem tenha vivido para ver. E ela contou para gerações o quanto vivera mais feliz e mais tranqüila do que vivemos hoje. E o quanto os questionamentos e embates daqueles tempos fazem falta na contemporaneidade, onde tudo é aceito sem palavrões. Agora, com o desaparecimento de quem fechou o livro de seu tempo por cá, a todos que especularam sobre a data do findar deste tempo resta o agradecimento a alguém que nos deu a honra de perceber o quanto se pode ser feliz em mais de um século vivendo muitas vidas e anotando muitos tempos com sua memória prodigiosa. A vida e o tempo permanecem onde estão, mas sem o testemunho de quem viveu tempos tão vividos, mas que já não são mais vívidos.

13 comentários:

Blog do Mario disse...

Dercy Eterna !!

Tiago Bandeira disse...

ela se foi, no hospital São Lucas!
ela vai mijar no seu pé hoje, Lucas.
Cuidado, durma de guarda-chuva.
Valeu Dercy, pelas horas extras de 375 anos de plantão.

Unknown disse...

Todos brincavam que a imortalidade existia ao falarem da nossa hilariante e despudorada Dercy. Ela nos deixou no dia de hoje, como um susto. Mas sua imortalidade está concretizada em seu modo esfusiante de ser, sem ter "papas na língua". Para uns, uma depravada, para outros, nossa humorista número um. Este mais de um século de sucesso, vida pessoal e amante de querer ser uma estrela que brilha pelo seu próprio talento, aconteceu para a autêntica Dercy. Por isso, ela sempre será imortal.
Vai a meeeeerda, todo mundo!

Unknown disse...

Dercy eterna.

Ela não morreu, só mandou a Terra para a puta que pariu.

Anônimo disse...

Você se supera cara, pra variar.

Ah, vai pra puta que o pariu. :D

Luiz Domingues disse...

Belo texto, diz exatamente o que estava entalado em minha garganta desde o momento que eu soube sobre o acontecido. Por anos passamos trotes e espalhamos boatos de que a Velha (carinhosamente chamada assim) teria partido. Não sei o motivo, mas em algum momento nesses anos eu realmente acreditei na imortalidade. E por isso mesmo que a morte da Rainha assustou tanto quanto a morte de algum amigo de faculdade. Que seu brilho intenso e sua risada gostosa não se percam nunca nos próximos 100, 200, 300 anos. Obrigado Dercy, e até a volta!

ANA FONSECA disse...

dercy eterna [3]!

ANA FONSECA disse...

quem ia imaginar que depois de termos "assassinado" a dercyzoca tantas vezes, ela nos daria um tapa na cara morrendo de verdade?! O.o pára a dercyzoca, gente!

Isabela de Sousa disse...

"E vai todo mundo pra puta que pariu!"

Leandro SC - Estácio 2008 disse...

Lucas, espero que VC tenha gostado do texto do Renato falando da morte da Dercy...

Parabéns mais uma vez pelo seu texto no Sobre Tudo.

Abraços do Leandro!!!

Cah Rosa disse...

pqp que texto legal!

ela se foi
nos mandou à merda...

Dercy era do caralho!

Anônimo disse...

Olá Lucas,excelente o texto sobre a nossa ídola.

Nos falamos no Orkut e espero a sua participação nos meus textos na Rede Monstro.

Abraços do seu fã,amigo e admirador!!!

RENATO MACHADO _ RJ

Pillí disse...

Dercy foi reticências