sexta-feira, 1 de maio de 2009

A Cena Muda

Não pertence a este tempo o ardor das cenas mudas. Outrora, os grandes romances e desforras eram pontuados pelo sepulcral silêncio das bocas que se mexiam sem nada falar. Naquelas paragens, as vozes caladas pela primitiva tecnologia de registro cinematográfico eram simuladas pelas mentes de milhões e repercutidas por quem imaginava como seria o cinema falado. E o cinema falado foi o culpado da transformação. Tornamos som só aquilo o que ouvimos, desconsiderando as sonoridades que só as almas solenes conseguem captar. Compramos discos, e cada vez mais discos, de rotações e long play, exigimos que o som se integrasse em definitivo à imagem cinematográfica com a destituição do sistema Vitaphone e afirmamos que só é áudio o que toca em algum lugar. E as trilhas sonoras de nossas vidas, pontuadas por momentos de maior e menor intensidade - como a própria vida - e que coexistem em nossas memórias? Onde colocar as notas perdulárias dos toques no piano? E o pianista de cinema mudo que há em todos nós?A chegada do som ao imaginário coletivo trouxe o afastamento pelo aperto das pressões cotidianas do instante de mais puro lirismo, que é a contemplação dos gestuais virtuosos e das expressões de cadafalso, típicas de quando a cena era muda. As trilhas sonoras ao piano, as dores e festejos salpicados pela ausência de som e a severidade que só o silêncio traz aos prazeres hedonísticos são peças de museu. Trazer o som à imagem era como abrir a porta do microondas. Pegai-vos o prato pronto. Esquece-se até do principal som que sucede qualquer ato de prazer: o som-nenhum. Nos desapegamos dos momentos em que a singeleza não pede palavras, apenas pensamentos. Estes pensamentos, quando feitos com sensibilidade, trazem som a qualquer cena sem que precisemos escravizar os ouvidos.

4 comentários:

Isabela Farias disse...

Com som ou não, o Mundo das imagens em movimento trouxe para todos nós uma nova perspectiva de olharmos a realidade. De uma maneira às vezes mais profunda, com muitas referências exemplificadas por obras-primas do cinema caracterizado pelo som direto, mostrando muitas vezez uma estética realista para muitos. E o fast-food dos enlatados americanos, com os quais aperfeiçoamos o nosso fetichismo de tudo pronto para nos acometer goela abaixo.

obs: gostei da parte do microondas

te amo!

Cah Rosa disse...

o pioneirismo é sempre encantador por sua coragem e sua ousadia. o mundo das imagens é mágico. com ou sem cor e com ou sem som.

Leandro SC - Estácio 2008 disse...

FALA GRANDE CRÍTICO E ENÓLOGO DA NOTÍCIA, EXCELENTE TEXTO, MUITO BOM, SOBRE ONTEM, LAMENTO PELO BOTAFOGO DA DERCY E PARABÉNS AO FLAMENGO DO MÁRIO!!!

ABRAÇOS DO LEANDRO!!!

Unknown disse...

Eu acredito que a evolução no cinema em relação à linguagem é bastante salutar, é claro que o todo exposto em sua coluna é válido, mas a cada vez que se caminha para o futuro, algo fica no passado.

Belo texto, amigo.
Abraços. Diego. O Nicolau.