sábado, 9 de maio de 2009

Glacê

Vai na ponta do pé, avisa aos arenques que tu és feliz. Ouça o silêncio que sucede o quebrar das águas, o respingar dos corpos escamados que delas saltam para o habitat, o som estranho da fauna marinha. Entra no banho salgado e faz um agrado ao mar que te rodeia, faz-te ilha de raio curto, ponto primata na imensidão. És, muitas das vezes, a única viva alma perdida no infindo paraíso das incertezas e dos devaneios. Na ilha de mar salgado, és o porto seguro de minha humanidade, a porta aberta de uma voz sã e de duas mãos carinhosas. Mergulha um pouco, e sente gelar as costas e os cabelos. Refresca todos os poros e células, fazei respirar debaixo d'água cada centímetro aliviado de um corpo castigado por tanto se torturar. Não use o autoflagelo. Mergulhe e vá além, sirva de ilha em outros pontos do mar do mundo. Mareia, maruja, e espanta todas as ondas maiores do que as caudalosas. Sirva de mar calmo em meio à tormenta. Crie asas, plane sobre tudo, veja a pequenez de todos os outros que lá de cima são menores do que ti. Observe as copas das árvores, os telhados cor-de-telha, veja o quão as coisas são o que parecem ser. E muitas vezes o são. Sinta a brisa que só o vôo desacompanhado pode trazer. Vá até o infinito, navega pelos ares em busca do profundo que há quando tudo passa tão rápido quanto o vento vem. Voa mais rápido do que as nuvens que correm antes do temporal, deixe-as bem brancas e de frágil consistência. Não quero água pelos joelhos. Me salva do afogamento, me faz sorver meus próprios medos que, vistos lá de cima, são menores quanto todos os outros. Me arrebata o coração com o susto de notar que os amores vôam tal qual o tempo em que vivem, tempo em que o início se divide em mil partes, o meio é o fim e o fim... este está fora de nossos domínios. Faz de cada pedaço do início um recomeço. Reparte cada momento em um porta-retrato, parta comigo para qualquer lugar, viva comigo em qualquer outra parte, seja o encarte ou a primeira página o nosso destino. Corre pelas areias comigo, sente cada grão bater no rosto e arranhar levemente a pele delicada de quem precisa tomar um sol. Seja a sorte de meu destino em cada tempestade. Ria comigo dos camaleões, das aranhas e dos escorpiões. Beba o néctar do mais puro veneno. Seja a minha amiga de todos os risos e dos outros avisos, crítica mordaz dos erros meus e voz doce a palpitar sobre como fazer para consertá-los. Seja acendedor para meu fogo, veja esperta a fogueira que arde quando nada mais há do que a certeza de que a morte é sem porte para apagar esta chama. Seja minha ilha, minhas asas, minha brasa, meu oásis. Sim, seja água em meu deserto. Me faz viver pra sempre a mais doce fantasia de saber que, afinal, amar demais não tem porém. E, de todos elementos, é no mais simples que encontrei meu equilíbrio: no amor, disponível a todos que conseguem encontrar em mais alguém o que sempre quiseram para si próprios.

4 comentários:

Unknown disse...

Como é mágico o poder das palavras. Através delas expressamos nossas alegrias, desejos, frustrações e tudo mais para aliviarmos do Mundo.
Mas é também com este poder, que o temos simples em nossas mãos que podemos descobrir também os mais bonitos e singelos gestos do amor.
É isto que acabo de ver e ler aqui ,neste "diário" do meu grande amor e companheiro.

TE AMO MUITO! MEU POETA!

ANA FONSECA disse...

ai, gente... sabe o que lembrei? de um pedaço de "paquetá", do nosso glorioso ruivo: minha ilha perdida é aí, o meu pôr do sol... :)

Unknown disse...

Eu lembrei de cada dia dos meus 1 ano e 4 meses de namoro com esse texto. Viadinho, sabe escrever como ninguém.

Unknown disse...

Ah,que lindo!O amor é um sentimento tão dificil de descrever,e você escreveu sobre ele,tão perfeitamente!O mais bonito é ver o amor de vocês!!!*-*