Jurei de pés juntos não esperar mais pelo topo da escada rolante. Ante à visão misteriosa descoberta com a aproximação, optei pela pequena mão que, presa à minha, acompanhava-me expremida no mesmo degrau.
Jurei de pés juntos não entrar sozinho em um elevador, mesmo que ele tenha porta pantográfica. A sensação claustrofóbica de ver o chão se abrir sem uma mão para apertar é vívida para os que temem.
Jurei de pés juntos aprender a rodar a chave sozinho. Mas, sobretudo, jurei ter uma cópia só pra mim. Do outro lado da porta, um prato de miojo com carne moída e um suco de maracujá irão estar à minha espera enquanto o juramento for mantido.
Jurei de pés juntos sempre comprar pipoca para dois. E, quando ela não quiser, comer por ela e por mim. Jurei não salgar muito.
Jurei de pés juntos gastar meus últimos tostões com diversões de duas horas de duração, pois as maiores se tornam tediosas para quem quer fazer tudo ao mesmo tempo.
Jurei de pés juntos me curvar para andar de mãos dadas, sentar para dar beijos e encurtar meus passos para sempre acompanhá-la. Jurei seguir um ritmo que não é meu, pois acompanhar a mão que se dá é saborear cada estalo de falanges.
Jurei de pés juntos ter sempre dois guarda-chuvas na mochila, ou um bem grande no qual se protejam duas pessoas. Nas tardes chuvosas, jurei ser sempre o braço que envolve o tronco para aquecer e cuidar.
Jurei de pés juntos, em sinal de oração, pedir e agradecer todas as noites pelo inexplicável encontro de duas almas em uma praça suja.
Jurei de pés juntos, e repito o juramento, abaixar quantas vezes tiver de abaixar, enxugar quantas lágrimas tiver de enxugar, gastar quanta sola de sapato for necessária e viver enquanto houver vida. Jurei, num momento, que jurava a eternidade. Juro ao eterno o meu contrato: ao lado das mãos companheiras, das risadas escandalosas e dos beijos acalorados.
sábado, 26 de setembro de 2009
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Auto-Retrato
Perdidas nas folhas cáquis de três anos atrás, lembranças enfadonhas borbulham ilusões perdidas. Tal qual colarinho de chope, na superfície da taça ficaram os planos, mulheres e datas. Três anos dali, estaria bem longe daqui. Em um conjugado em Botafogo, vestindo um suéter no frio, comendo frango agridoce e esperando a hora da novela. Foi tudo gerúndio. O futuro falou errado. Falou "pobrema", "nós vemo" e "naicer". Pra alma de cá, o porvir escreveu tal qual Inácio escreveria uma autobiografia em francês. Tudo torto. É preciso tirar dois ou quatro dentes, ou vai apertar. Talvez, dente passe por cima d'outro. Vou abrir mão destes dois ou quatro. Quiçá, de todos. Quero o sorriso banguela das certezas no concreto, mais belo do que o sorriso amarelo das incertezas abstratas. Abstraí. Nas vielas da Lapa, sou dois ou três dias de esperança. No quarto, serei pregado na parede. Serei um quadro velho de quem poderia ser e não foi, uma visão turva de vinte anos atrás. Se o homícidio ortográfico permanecer em meus destinos, esperarei por uma definitiva reforma. No dentista, na aula de português ou no cemitério.
sábado, 19 de setembro de 2009
As Olheiras do Czar
Trancado no cômodo escuro, ouvinte do zumbizar dos ventiladores, fecho as janelas e cubro os véus de meu berço. Nasci mil anos, vivi cem mil. Morri milhões de vezes, e desejei de cada morte o impacto com o asfalto. Bebi das fontes só a espuma e as bolhas. Comi só a pele frita da galinha, senti só a brisa das duas quadras depois da praia. Não como carne branca. Apenas experimentei algumas patinhas de rã durante a infância. Por muito tempo, ouvi LP's de Verdi e Wagner. Prefiro Chopin. Tranco-me no cômodo e ponho-me a ouvir gravações raras, de 1906. Orquestra Imperial de Berlim. Prefiro a de Moscou. Prefiro as olheiras do Czar ao braço morto do Kaiser. E não bebo cerveja, em hipótese alguma. Pratico as poções de Rasputin, fabrico as loções de Arquimedes, aflito leio um pouco de Mahatma Ghandi. Ele era pai da Indira? Coleciono obras de gurus, daqui e dali. Li até Walter Mercado. Landi Sobral, Paulo Coelho, Dalai Lama, Max Geringer. Sou cético a todos eles. Soube, por estes dias, que o Paulo freqüenta a "Casa do Mago", no Humaitá. Desde pequeno, me apavora desde a fachada. Aperto os botões de madeira do velho paletó de meu avô. Fecho-o com cuidado. De tanto botão, é um paletó de madeira. Quer saber? Morri por hoje. Como em um milhão de vezes.
domingo, 6 de setembro de 2009
Macarrão de Mentira
Molho preto e agridoce encarna na pele da pobre vítima: vou te empolar todo durante a madrugada. Refluxo vai, refluxo vem, a verve gástrica do pobre macarrão de mentira põe as manguinhas de fora e faz pedir ajuda médica. Quero regurgitar minha janta improvisada. Instantâneo em três minutos, um dos maiores crimes cometidos contra a Hermenêutica, provoca gases gástricos e incita estranho desejo de me livrar do digestório. Chame o escrivão. É hora de pôr o velho testamento em prática. Batido em uma Olivetti por meu avô, é só trocar a data de nascimento. O nome do avô era o mesmo do neto: Gervásio Carneiro Carvalho, nascido em Santo Amaro da Purificação, Bahia. A vítima do miojo assassino, um jovem judoca de 18 anos que veio ao Rio de Janeiro tentar a sorte como professor de uma academia para crianças. Sem um puto no bolso, pois ganha vinte reais por aula ministrada - umas cinco por semana - divide um conjugado na Avenida Copacabana com mais três amigos - todos nortistas - e janta miojo todas as noites. Nesta, o pedido foi um yakissoba de mentira, embalado em um plástico preto e preparado em três ou quatro minutos no microondas da casa. Gervásio, conhecido pela alcunha de Carneirão junto aos colegas de república, quer cursar Serviço Social. Ouviu de um crupiê de cassino clandestino que quem cumpre esta graduação pode escolher entre o jornalismo e a publicidade. Versado nas letras do ensino fundamental, e pouco mais do que isso, o jovem baiano escreveu o próprio nome com "J" até os doze anos de idade. Santo Amaro, setenta quilômetros da capital e cidade de IDH medíocre, é retrato na parede tal qual Itabira para Drummond. Aqui, em Copacabana, Gervásio é apenas mais um entre os tantos que trabalham de dia para jantar pipoca, trabalham de noite para beber água da bica e dormem nas horas vagas. Sim, dormem. Só assim, e com a necessidade de manter um endereço fixo advinda de tal, os cobradores, concessionárias e a Receita Federal poderão mandar suas contas mensais. E mais vinte reais. Quer saber? O yakissoba de mentira ficou caro. Melhor trocar pelo cachorro do vizinho.
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