sábado, 19 de setembro de 2009

As Olheiras do Czar

Trancado no cômodo escuro, ouvinte do zumbizar dos ventiladores, fecho as janelas e cubro os véus de meu berço. Nasci mil anos, vivi cem mil. Morri milhões de vezes, e desejei de cada morte o impacto com o asfalto. Bebi das fontes só a espuma e as bolhas. Comi só a pele frita da galinha, senti só a brisa das duas quadras depois da praia. Não como carne branca. Apenas experimentei algumas patinhas de rã durante a infância. Por muito tempo, ouvi LP's de Verdi e Wagner. Prefiro Chopin. Tranco-me no cômodo e ponho-me a ouvir gravações raras, de 1906. Orquestra Imperial de Berlim. Prefiro a de Moscou. Prefiro as olheiras do Czar ao braço morto do Kaiser. E não bebo cerveja, em hipótese alguma. Pratico as poções de Rasputin, fabrico as loções de Arquimedes, aflito leio um pouco de Mahatma Ghandi. Ele era pai da Indira? Coleciono obras de gurus, daqui e dali. Li até Walter Mercado. Landi Sobral, Paulo Coelho, Dalai Lama, Max Geringer. Sou cético a todos eles. Soube, por estes dias, que o Paulo freqüenta a "Casa do Mago", no Humaitá. Desde pequeno, me apavora desde a fachada. Aperto os botões de madeira do velho paletó de meu avô. Fecho-o com cuidado. De tanto botão, é um paletó de madeira. Quer saber? Morri por hoje. Como em um milhão de vezes.

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