domingo, 4 de outubro de 2009

Coisas Que Eu Quis Ser

Subi na biga sem cavalos ao acreditar no passado. Parado no atoleiro, perdi de vista o horizonte e permaneci estático, sob o peso de uma armadura de cobre e ferro que se sobrepunha a uma não menos pesada malha de metal. Com o escudo furado, me escondi dos tiros certeiros de velhas catapultas na carcaça da rústica biga. Com o capacete chamuscado, troquei tapas com a morte e abracei cada suspiro com gestos de delírio. Cavaleiro perdido das trovas inúteis, fui goleiro de várzea contra matador de cinco estrelas. Fiz milagres, catei borboletas. Sobrevivi. Caminhei sobre um fio de nailon, saltei em uma xícara de café e não a quebrei, corri pelo buraco de uma agulha. Fui alfinete em fralda de bebê. Sacerdote de minha insignificância, bradei aos céus meu pobre destino: montado em meus nobres devaneios, sentir o gosto anilado das glórias retumbantes. Ser um farrapo condecorado. Com o pescoço a prêmio, me esquivei da má sorte com a agilidade de um esquilo. Saltei os obstáculos do haras, voei pelas rodas de fogo. Fui herói de mim mesmo. Ao contrariar as contrariedades, me libertei do olhar de paisagem e percebi meu mundo com visão além do alcance. Empunhando a espada do esfarrapado, construí moinhos de vento, castelos de areia e salões para a mendicância. Eu fui rei de mim mesmo. Observei por dentre as almas que por ali passavam, uma só que cândida, observasse o passar do tempo com os olhos castos de quem cantava coisas de amor. Encontrei na alma ao lado, aqui ao lado, o caminhar, o descansar e o porvir. Encontrei a mão amiga, a voz serena e o abraço eufórico dos reencontros. Descobri novas terras, naveguei novos mares e até conheci o ar. Respirei fundo na espera, marejei os olhos por horas, enxuguei as lágrimas mortas e as vivas também. Lavei muitos rostos, beijei muitos pés, afaguei muitos dedos. Fiz muitos bolos de nozes. Aguardei como presságio a chegada da donzela, desfrutei das coisas do mundo e do espirito, amei como ninguém mais amaria ou pensaria em amar. Molhei cartas, músicas, barrigas e fios de cabelo. Praguejei contra o passado. Sob a névoa da serra, jurei amor eterno. Na rede, na cama, no chão ou na poltrona, vivi do amor, pois só o amor me bastava. Vivi por todos os cantos uma única toada. Percebi muitas dores, conheci dissabores, enfrentei outros fins. Dissertei sobre o ontem, o hoje e o amanhã, apostei no milhar e ganhei dois vinténs, fui viver embaixo da ponte. Mas vivi, de fato, o amor na cavalgada. Sereno, casto, perdido, choroso, risonho, rasgado, profano, maldoso, puro, vermelho, rosa, admirável, invejado, estático, movimentado, solitário, acompanhado, sagrado, devasso, ansioso, paciente, interno, esperto, inconseqüente e eterno.

10 comentários:

Blog do Mario disse...

Em tempos de tanta artificialidade que atinge os relacionamentos, é muito bom e animador ver um casal que caminha firme e junto, em uma relação sólida que só tem a ser cada dia mais vitoriosa.

Parabéns !!

Mario

Unknown disse...

Você é um filho da puta, sem mais. Me fez lacrimejar em pleno domingo a noite. Meu namoro segue o mesmo caminho e eu mesmo não conseguiria transformar tão bem em palavras o que é um relacionamento desses.

Maldito.

Unknown disse...

O campo de batalha que enfrentamos em nossas caminhadas fazem parte apenas das construções do nosso "quer que seja" e as vezes não é e daquilo que pertence aos nossos encontros com o outro

te amo, muito bom.

adorei os comentários acima

Isabelle Machado disse...

Lucas ! Vc realmente é muito talentoso.Vc escreve muito bem ! Parabéns ! Vc irá longe. Beijos.

Unknown disse...

Você escreve tão bem,que o seu sentimento contagia quem está lendo.Em meio a desesperança você mostra que ainda existe o amor verdadeiro.Não tem nem como explicar esse seu dom!Continue o explorando...

Parabéns!

Unknown disse...

Deus poderia me dar 10% do seu dom para expressar sentimentos e botar no papel. Acho que Ele não foi muito com a minha cara.

Luiz Domingues disse...

É Lucas, nenhum comentário meu poderia expressar nada que já não esteja escrito aí. Belas linhas.

ANA FONSECA disse...

muito bonito, lucas! como eu disse outro dia: cada vez que venho aqui percebo como você está cada vez melhor no riscado... :) [puxa saco mode ON hehehehe]

Telminha Cordeiro disse...

Meu amigo,muito lindo!!!
Esse é o meu presidente.
Bjkaaass no seu coração.

Leandro SC - Estácio 2008 disse...

Machado é um cara também fera!

Ele é um exemplo de profissionalismo!

Abração do cara que é teu amigo!