sábado, 18 de setembro de 2010

Por trás de seus bigodes

Manhã de uma quinta, escadarias da Biblioteca Nacional, Centro do Rio. Reunião para discutir a publicação de Dom Obá, revista voltada para a cultura afro-brasileira e que até hoje não saiu do papel. Lucas Alvares, o poeta Jorge Silva e o ativista Jorge Arruda, da ONG A.F.R.I.C.A e hoje na campanha do camarada Marcelo Sereno Dirceu, do PT. Discutíamos, ano atrás, a cena eleitoral de agora:

- Teremos segundo turno. Tenho fé nas artes de nosso Garotinho, o anjo barroco dos Goitacás. Ele vai complicar o Serginho, sustentei esperançoso.
- Já está tudo acertado. O Garotinho vai renunciar, o acordo já foi fechado. Será o Cabral e mais um. Ou o César Maia, ou o Gabeira, revelou o Arruda.

Decisões judiciais, liminares e ameaças de ambas as partes, Anthony Matheus retirou a candidatura a causar espanto até mesmo a seus mais próximos assessores. Em meio a uma saraivada de cassações, rodaram Anthony, Rosinha, Geraldo Pudim e quase rodou Clarissa, ex-colega dos tempos de movimento estudantil. Tentara, dias antes, uma aliança de última hora com o PRB de Crivella. A coligação PR/PRB/PTdoB levaria o bispo da IURD à oposição de Sérgio Cabral. Receoso, Crivella matutou, consultou seus oráculos e mandou agradecer. Era a cena montada para mais uma ópera bufa do ex-governador: renunciar à candidatura na festa de lançamento de seu próprio nome. Eram 30 dias de junho. Tirou o pagodeiro convertido Waguinho e Carlos Dias, do Movimento Católico Carismático, do bolso e os lançou ao Senado. Ao Guanabara, Fernando Peregrino, que já foi Brizola. Pesquisa IBOPE do início daquele mês dava 21% para Garotinho, que somados aos então 12% de Fernando Gabeira praticamente garantiam um segundo turno contra Cabral.

A renúncia de Anthony Garotinho, quando a tendência ao passar da campanha era a de crescimento no interior do Estado, seu velho reduto, e o prognóstico de um horário eleitoral mezzo a mezzo no 2º Turno parecia inexplicada. Parecia. Seu partido, o da república, o recebeu ano passado sem os temores de um novo PT. Ou, quem sabe, um PDT. Quiçá, PSB. Que tal um PMDB? E vestiu sua 5ª camisa. Resgatado do apartidarismo, Garotinho foi salvo e liberto por uma legenda, o PR de Bispo Rodrigues, Inocêncio de Oliveira, Magno Malta, Waldemar Costa Neto... e do póstumo Enéas Carneiro. E, Enéas, é o xis do problema.

Enéas Ferreira Carneiro, um cardiologista acreano, foi candidato ao Planalto em 1989, 1994 e 1998 pelo minúsculo PRONA, surgido em sua sala de estar em um arroubo pliniosalgadeano. Adoentado e sem quadros que fizessem o partido sobreviver a seu passamento, costurou com os líderes do então Partido Liberal, enlodado pelo Escândalo do Mensalão, a fusão entre PRONA e PL. O caldo resultou no PR, que uniu as duas bancadas na câmara federal. Ainda pelo PRONA, Enéas - nos estertores - foi novamente candidato a deputado federal em 2006. Bem abaixo dos 1,5 milhão de votos de 2002, o mais votado da história do Brasil, faturou 386.905 almas, um número ainda expressivo em se tratando de um homem que, sabidamente, vivia seus últimos dias em mal quase irreversível.

Abaixo dos mil votos, cinco deputados federais rebarbearam Enéas em 2002. Quando da fusão com o PR, apenas um permanecia na legenda. Com a morte do deputado, em maio de 2007, assumiu Luciana Castro de Almeida, do PR de São Paulo, que obteve apenas 3.980 votos em seu próprio nome. Demonstrava o Furacão Enéas um curioso caso onde, servindo-se de uma legislação eleitoral confusa, um partido de bases mais confusas ainda elegia toda uma bancada sem que precisasse trabalhar por qualquer uma das outras candidaturas. Bastava o ex-presidenciável.

Quase quatro anos após a fusão, sem Enéas e com a bancada ameaçada de rigorosa redução, o PR lança mão de dois quadros de força nas urnas. No Rio, a deputado federal o ex-governador Anthony Garotinho. Será o mais votado do estado. Em São Paulo, o "comediante" Francisco Everaldo Oliveira Silva, o Tiririca. Previsão de mais de 1 milhão de votos. Tiririca terá, nas urnas paulistas, dois terços das consciências que conquistou em todo o país no ano de 1996 com as vendas de seu CD de estréia, em que se destacava a embolada "Florentina". Não há anti-candidatura no "Abestado". Não há protesto, deboche ou mesmo desejo pessoal. Tiririca é a tábua de salvação de seu partido. Não se engane com ele, que levará mais 5 a Brasília: votar no Homem de Itapipoca é dar o seu beneplácito a Waldemar Costa Neto, candidato a deputado-sem-votos e sua turma.

2 comentários:

Fernanda Galvão disse...

Como falei dia desses, é triste e vergonhoso ver no quê a política se tornou. Tão diferente e distante do seu real papel - tanto na execução de quem está no poder quanto na (falta de) compreensão da maioria dos cidadãos. Através da banalização, da ilusão, da alienação, criou-se uma cultura de "não gostar de política", em que alguns, se aventuram no "voto de protesto" (ou não), elegendo figuras bizarras, como a deste post. Saudade de Aristóteles.

Blog do Mario disse...

pior do que está, fica...