quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

No sol, percorri

Brasa quente em meu peito mudo
Lava que borbulha e me faz pedir bis
Favo de mel, gota de ambrosia
Rosa sem espinhos, minha prece, meu anis

Vê que já não posso ter mais um dia em dó
Sem teu beijo, sem teu peito, sem teu pulsar
Sem tuas juras eternas, sem tuas falas serenas
Sem teu olhar embevecido, sem ter na garganta um nó

Vê, amada, que tenho vontade de largar o mundo
E ir, a pé ou voando, em cada solo que você pisar
Só pra ver o meu amor rasgado, tão esperado
Imortalizar, dissolver dores, se eternizar!


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Em suma, eu topo

Desvelei teus braços nus, sem pêlos
Desfraldei meus estandartes de eternas promessas
E pus, na praça, a prece empunhada na mão espalmada
A fé desmedida na graça alcançada
No sórdido mundo que, ao fim, me deu você

E vi, bailarina, nas vielas da cidade
Que é preciso amar sem mais saudade
Pois saudade desatina e faz moer
E é por isso, colombina, que meu bloco se aprumou
Para te ver passar com o tarol

E o sórdido mundo, desvelado
Agora é futuro em nós revelado
É fé liberada para preces eternas
É saber que dá pé, que topei no teu salto
E saltei em direção ao que sempre esteve ao meu lado

domingo, 9 de dezembro de 2012

Presente do Indicativo

Enclausurado nas mais torpes braças de terra, em dó, desci lépido os paralelepípedos de teus braços.
E, só, decidi em fá que nunca mais divagaria sobre teus traços: Que, si, ressonaria tua voz e teus beijos apertados com o fá-fazer de quem sempre te esperou

Na ré, esperei a chuva parar de cair. Não, não poderia ser para mim. E lá, ouvi tua voz dizer teu nome, teus olhos me procurarem espertos e, incertos, contarem que já vão e que já voltam. A relva que pisei naquele dia, bailarina, é prece-colombina de quem não teme mais a morte, a má sorte ou as dores dos nãos profundos.

A chuva que já caiu para subir de novo e banhar outras mãos e pés em algum lugar do mundo, é testemunha do guarda-chuva cor-de-laranja que empunhou o desejo de eternidade presente, ali, em sol maior mesmo sob o pano cinza que nubla o Rio neste domingo.

A relva, a chuva e o sol que arde em meu peito, refletidos - graças aos céus! - em seus olhos fundos e empertigados nos fazem abrir sorrisos em um mundo de tanta dor. Gargalhemos. E olhemos para os lados: por aí afora, tem muita gente precisando ser feliz como eu sou agora. Que todos os outros, minha menina, façam de suas preces de felicidade notas musicais e de cada beijo comprido o canto apertado de quem não quer mais ver o tempo passar e, ao mesmo tempo, sonha com tudo o que há de vir.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Ainda bem

E a prece encimesmada, em troça emplacada
A rir da minha vida, zombar do meu descuido
Fez sorrir, desfraldada, a boca risonha do cupido

A voz-criança do coração aflito
Que, em prece, encimesmou de ter comigo
E trouxe a paz aos meus porões

Deflagra, amada, o furor outrora perdido
Escava, em troça, meus recantos ocultos
E, em bossa, faz dançar meus pés descalços

Me faz bailar no banho, bailarina
Me faz cantar no chuveiro frio
Me faz sorrir o peito morto
Me ressucita, me encanta, me exercita

Me faz além do ser, me faz te ter:
Pois hoje, voz-divina, estou aos pés da bailarina
Que trouxe o beijo mais fechado
Ao peito machucado do pierrô que agora é seu

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Brevidades Pantanosas

Preguei a peça: impeça em pressa logo este espesso despejo
Despojo em teu assoalho, sou cinza carcomida nas arestas do sinteco
Sou festa de esquecimento, dor sem nome, gangrena sem ferida
Sou a mosca azul do sono, pois aprumo em teu pêlo todo o resto do fracasso

O retrato amarelado na parede, o sorriso da cachorra; a resposta da cadela
A esgrima em prol do que não veio e nem virá, a prece falsa, a jura morta
A esquina suja, o cego que a tudo vê, o sambolejar das moedas em sua lata de ervilhas
A tua bermuda jeans, as pernas finas, as marcas roxas, o tropeçar na maçaneta da porta

O teu velho requebrado, já sem o mesmo brilho, é de mulher moderninha
Perdida entre falsos barões, decerto leva o rosto para a tinturaria desbotar espinhas
E eu, cá deste arrebalde, sou só-frer, sem engasgo e sem tilintar, sem juras de nunca mais ou de nada menos
Enxovalhado para trás do front na batalha contra o desamor e o desapego, sou frer. Minto.

Quero que saibas, colombina, que a perna cortada na frente de batalha já se foi para nunca mais
E que a perna de pau implantada no lugar, decorada com uma placa de folha-de-flandres, não te ama e nem te escuta.
É morte em vida, mas é seguir por aí, batalha a batalha até a derrota final.
É ode, ao fim das contas, ao pessimismo de quem perdeu a estrela-guia na encruzilhada de dois otários.



sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Sobre encostos de poltrona e bancos de pedra

Meninos, eu vi
A flor que passava nua
A voz que clamava à rua
As preces do bem-te-vi

Meninos, eu vi
Pedaços de lata-prata
Sorrindo atrás da porta
Clamando um bom porvir

Meninos, eu vi
A lama na estrada morta
Encrava as rodas tortas
Escravo de quem não viu

Mas veja, menino amigo:
As preces que já te digo
São preces de um bom porém

As preces da bem amada
Que esperam na madrugada
As vozes que lhe acalantam

Pois ouve, a musa grega
Que amado é quem serpenteia
A espreita do que virá

E espera, tão conclamado
O beijo desabrochado
Que trouxe suas respostas

Meninos, eu vi
As preces, já atendidas
São mais que perfumarias
São reles eternidades
Contidas nas entrelinhas

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Λαΐς της Κορίνθου

Tenho um nome que é plural. Lóukas, em grego. Há tantos nomes terminados em "s" para nos lembrarmos de que somos descendentes, de alguma forma, de heróis e nereidas do berço da civilização que ao bebermos um gole d'água somos capazes de nos perder. Ulisses, Marcos, Nicholas... há tantos plurais que me cercam e me abarcam em seus planos e sonhos, me fazem sufragar que há algo de melhor em ter um nome "feminino plural" que, afinal, nunca teve um diminutivo apropriado. Fui "Luquinhas" para as redações, "Lu" para a minha avó e restou espaço para um descompromissado "Pi" da minha mãe. É que nem tudo o que termina com "s" é plural. Do alto da montanha, tento escrever linhas que traduzam com coloquialidade a singularidade dela. Quero, por uma noite, falar como ela fala, pensar como ela pensa, sonhar como ela sonha. E observar, com os olhos cor-de-caramelo, que também há algo de melhor em ser singular. Que é decidido não saber ao certo o que fazer, conservador ser liberal e crente ser descrente. Pois ela, que não é a Laís de Corinto, pois não tem "í" e sim um art noveau "y", tem a beleza da mais bela das gregas, sua homônima de milênios atrás, e a pluralidade singular que só os pós-modernos podem ter. E acorda, faz café, acorda a mãe, veste, sobe dois dedos de saia, faz trancinha, bota adereço, maquiagem, o anel novo, as sapatilhas, desce o morro, pega o engarrafamento, assiste a seis horas de aulas enfadonhas, é a melhor aluna, corre para o trabalho, acode a mãe, chora o pai, atende o sobrinho, faz a janta, corre, corre, pressa, dorme, dor de dente, o aparelho, as contas do mês...! é muito mais heroína do que a grega, pura e simples desejada. Tão sonhada quanto a musa dos poetas clássicos, ela é heroína da odisséia cotidiana de quem tem que trabalhar para sobreviver e conquistar um futuro melhor... ah, velho clichê! é ela, a bela adorada - musa de um poeta sem poesia - que simboliza, tão singular, que é possível ser heroína em um país de canalhas.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Sobre o sossego e a falácia


Vê bem, querubim, o quanto a falácia pesa
Nas prosas das almas vãs
Que bradam aos quatro ventos
Com todas as forças, febres-terçãs

E juram de joelhos na areia
Que te enrolariam na teia
Que conquistariam teus beijos
Que destronariam teus reis

Reles embromados, pavões emplumados!
Que afirmam sem dó seus queixumes
Que traem, distorcem, se assumem
Que brotam feito praga do chão

Os bobos da corte mancebos
Margalargas de topetes e cordões de ouro
Serpenteiam tal qual dois dementes
E floreiam tuas dores urgentes

As mortes que saem das bocas
As frases tão tortas, em forcas
As preces em prol do pecado
As vozes de quem te amou?

Pois digo, do peito calado:
Daqui não virá um machado
Pois vive em meu peito um escudo
Que bate com pluma e diz tudo:
Meu sonho na quina da mesa!

Pois digo, da alma enfurnada
Daqui, só virá o sonhado
A prece em prol de quem clama
Por vida, a favor, com boa chama
E chama atrevida o plano.

Quem disse que amar é um engano?
Quem disse que é tudo incerteza?
Pois digo, do corpo cansado:
Nas madrugadas, sou a letra esperada
Nas manhãs de sol, eu te adoro mais fundo.

sábado, 23 de junho de 2012

Sonhos falsos

Enquanto eu te vi saudade, oh mocidade
Teu pavilhão do meu bloco a desfilar
Desfraldado entre as carnes do outrora
Encarnado a escorrer teu vil torpor

Os teus suores predicados, colombina
Que enlamaçavam com os meus, ensaboados
Desvencilhavam tuas mãos das sortes minhas
Desembocavam nos teus olhos a cerrar

Ah, noite sem pano! ah, ruço da serra!
Dos covardes doces ditos da tua boca
Das saladas sem vinagre, dos salames sem pimenta
Do passar do tempo em prole, das promessas no chuveiro

Eu ali, agachado, pés descalços
Pensativo, solene, amofinado: 'meu nome é trabalho'
'Ainda serei prefeito desta cidade, oh mocidade'
E teu beijo me calava, impositivo

O teu silêncio me faz eco, colombina
Descamba pr'a morte em vida
Destoa do que eu já fui
Ah! e bem lembrado:
Pensando bem, eu morri e me esqueci de deitar!

domingo, 20 de maio de 2012

Sobre um apanhado de amaranhados

Foto: Marc Ferrez
Todos os dias de sol em Botafogo, o moleque empinava o peru e, desinibido, fazia xixi pelas frestas das grades da varanda. Era sempre o mesmo ritual: chegava da escola e, inebriado pelo aroma da panela de pressão, aninhava a tartaruga Jurema entre os vasinhos de plantas ornamentais, baixava cuidadosamente o short azul e praticava a sua dose diária de afronta à ordem. Um dia, depois de tantas vezes ser surpreendido pelos pais e a babá e não se fazer de rogado, o menino percebeu que o que saía do quinto andar em algum momento chegaria ao playground. E, lá, correria o risco de atingir o cocoruto de alguém. Só ali ele percebeu que o que fazemos daqui com a maior satisfação, provocará incômodo cavalar no que for atingido, mesmo quando não sabemos quem.

Todas as manhãs de chuva em Botafogo, quando a mãe medrosa imaginava um filho-de-açúcar e o mantinha sob as cobertas enquanto seus vinte e cinco coleguinhas empunhavam lancheira e mochila e iam para a aula, o menino emburrava e, ocioso, dedicava-se a escutar um som vindo de longe, distinto de todos os que já havia ouvido na televisão, no rádio ou nas fitas cassete que seu avô gravara em Marajó com os cantos dos pássaros. D. Antônia, a fiel babá, filha de escravos, lhe explicara: era o som do amolador de facas. O pai dela, liberto pela Lei Áurea, se instruiu no ofício e, de peixeira na mão e carapinha engomada, serviu de modelo para uma das famosas fotos de Marc Ferrez sobre o dia-a-dia dos trabalhadores da cidade. O assovio que entoava hinos de times de futebol e das forças armadas lhe invadia os ouvidos e clamava, solene, pela velha mania dos perguntadores: que que eu vou ser quando crescer?
Eis que o menino, gordo, botafoguense e de olhos pretos respondeu com “sustança”: amolador de facas. Sim! O homem que afia a faca e assovia ao mesmo tempo! E assovia tão alto que mais parece metal do que carne. E todas as manhãs, de chuva ou de sol, o garoto procurava o amolador pelas ladeiras do velho bairro de Rui Barbosa. Ouvia o som de longe e, quanto mais perto, mais longe ficava. Disseram-lhe que o homem trabalhava atrás do muro, quase na pedreira. Ora, mas amolador de facas as amola nas ruas! E, no fim das contas, que lógica há em amolar facas se podemos nos servir de novas? Amolam-se aquelas que pertenceram aos nossos bisavós. Das novas, presentes do casamento de seus pais envoltas em um faqueiro de madeira, não se lembrava de ganharem novo fio. Afinal, que sentido faz amolar o que se pode trocar com tamanha facilidade?

Como todo menino acorda antes da mãe só pelo prazer de vê-la acordar, todas as vezes em que a garganta – que inflamava toda hora – estava em dia, ele se punha a conversar com a tartaruga sobre o amolador. Ia para a aula com a pancinha cheia de arroz, feijão e bife-de-panela e, após se apertar pelas ladeiras e pedras portuguesas enquanto segurava o dedo indicador do pai com uma mão e um picolé de uva com a outra, iniciava o solene ritual do xixi despudorado e despreocupado de quem está lá embaixo. Aprendera as primeiras letras por aquele tempo. E escreveu, em uma folha dessas de controlar a caligrafia, pela qual as irmãs auxiliares da escola tanto zelavam: “o tempo passa na cabeça da gente como a faca é amolada nas mãos do amolador”. Foi o seu primeiro verso, composto ao som de uma fita da Fafá de Belém. E desistiu de molhar as crianças do play, de conhecer de perto o amolador – seu novo amigo invisível – e de ensinar Jurema a falar. Afinal, logo ela o deixaria – para sempre – ao se embrenhar em uma mata em Maricá. E o menino, saudoso de sua tartaruga, se pôs a embalar na cadeira de balanço da bisavó, manhã após manhã, de sol ou de chuva, em Botafogo ou já no Leme, para onde se mudaria depois com os pais e seus irmãos bebês. Tornou-se, bem cedo, um reflexivo.
Vinte anos depois, quem aprendeu a ler e escrever com quatro continua lendo e escrevendo muito mal. O aperto, todas as vezes em que chega da rua, permanece o mesmo: agora devidamente desafogado em um vaso de plantas na área de serviço. D. Antônia foi contar feijão no céu e as fitas cassete do avô estão em alguma caixa de papelão por aqui. Ah, o velho foi pra Marajó e nunca mais voltou! E já fazem dez anos. O amolador de Botafogo viciou em éter e agora perambula despido da cintura para baixo, apelidado pela sabedoria popular como “Bob”. O picolé de uva não é mais fabricado, o pai continua a ser puxado pelo dedo indicador e a mãe aprendeu a acordar antes de seus três filhotes começarem a piar no ninho. A tartaruga? Essa não voltou mais. Dizem que foi, on foot, de Maricá até Miguel Pereira. Ali, teria encontrado uma menina mais velha que a aninhou e lhe deu alface, até que terminasse seus dias entre os dentes de uma chihuahua. Dias antes de partir dessa para uma melhor, Jurema lhe confidenciou que falava mesmo. E deu a dica: “desce já daí e vai lá pegar o menino pelo dedo indicador”.  Ela não se fez de rogada.

Com o desapego dos que nunca acertaram, ele descia ladeiras do Rio Comprido com a mochila nas costas – e agora sem lancheira. Foi então que os dois, já graúdos, foram mágica. Os pedidos do quelônio foram atendidos ao esfregar de uma lâmpada mágica chamada “bolsa”, que fez surgir de dentro o texto de um tal Marshall McLuhan que ele tanto precisava ler. Para ontem. E aí que o menino, de tão feliz, tornou-se de novo menino sem nunca deixar de ter sido. E se pôs a urinar por entre as grades, sempre “pela última vez”. Eis que começaram as intempéries: todas as vezes, o que era descartado como ruim ou gasto era atirado à mesma direção. Empapada pela desfaçatez de quem – como todos os outros – tem mil defeitos, ela se lembrou do caminho soprado por Jurema e decidiu se embrenhar pela mata. Sozinha. E o menino da varanda, nas manhãs de sol com o canto das cigarras ou nas de chuva com o zumbizar dos mosquitos, se pôs a amolar sozinho a faca do que viveram, como o último dos amoladores. Realizou seu sonho, mas fez dele tão seu que agora afia só o que usou, enquanto os outros trocam facas velhas por facas novas na esquina de casa.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Nada mais importa

Cada vez é uma pedrada nova no meu coração: por trás do "não dá", se escondem o sufoco, o pessimismo e a desesperança. Que seja, colombina. Afinal, já fui bem feliz nesta vida. Só não me disseram como é que eu faço pra ser feliz sem você...

domingo, 13 de maio de 2012

Alma Penada

Das mortes, eu levo as dores-poderes
Que fabricas em teus afazeres
Das vozes, teus tons dissonantes
Que cavam a cova profunda
E falam da voz nauseabunda
Que trago no peito calado

Espalho que a dor, tão solene
É mancha nas nódoas da lua
Mas ouve, ó deusa da rua
A minha urgência premente
Que sabe da morte que sente
E sangra meu tom, tão brilhante

Pois vivo um amor ofegante
No trem arcaico que abandonaste
Por morte, teu sonho trocaste
Em vida, teu dom me matou
Teu dom de ser tão enganada
Por vozes algozes na madrugada
Que matam sem prevalecer

Em ode ao fim que já tive
Sou prova de um tom tão atroz
Que jura o eterno a uma alma
E vela quem assassinou
No féretro, prova morta de amor
No solo, uma alma penada

terça-feira, 1 de maio de 2012

Sobre ser leve e líqüido

Em suma, quero que suma com tuas frases tortas e dê um beijo na palma da minha mão. Ah, egoísmo! que pede em prece que a prole venha, que esmola amores do outrora, que esmurra a ponta da faca e escala, sem eira nem beira, as montanhas íngremes das mortes e das solas de sapato. Nesta tarde fria do dia que passou, veríamos um filme ruim na tela do cinema. Dividiríamos a pipoca, a fanta laranja e sonharíamos, brigosos, com o miojo e a carne moída do almoço de amanhã. Deitaríamos nas mesmas colchas de sempre e, ao nos amarmos, morreríamos de medo do próximo sábado. Desceu? que jamais tivesse descido. A descontinuidade da suprema felicidade, ao nos atordoar com a beligerância inefável da dor lancinante, é rotunda o suficiente para dizer em letras garrafais que tudo o que é bom acaba e não volta mais. Pois que a razão, danada de se ver, é adversa à luta dioturna, inquebrantável, pelo trazer de volta do nosso sonho em vida. É aí que razão e coração duelam: uma determina que me afaste, o outro que lute até o onipotente ácido sulfúrico da minha mágoa dissolver minha carne e meus ossos. E então, essência eterna, ai de quem disser, em nome do amor, que vivi inerte até o fim e que não lutei por tudo o que prometi. Que digam não fui teu cheiro, tua voz, tuas palavras, teu andar de boneca, teus sorrisos e preces. Que escarrem que não fui tuas mãos a me ensaboar, teus dedos a cortar minhas unhas, teus beijos, teus sonhos. E tão nossos eram os nossos disparates! eu te dei o céu e as estrelas, e tudo o que prometi é verdadeiro e eterno. Isso é ser incompleto. É viver com uma lista de encomendas feitas sob medida e não poder entregar a quem me fez o pedido.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Download do meu anteprojeto de mestrado

“O Rio Civilliza-se”: Ascensão, Preservação e Decadência das Grandes Sociedades Carnavalescas, um Marco da Ordem na Desordem, baixem em http://migre.me/7SA0I

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Desafinado

"Até debaixo da ponte, meu amor. Com você, eu vou." Jurou, incondicional, que o fraseado seria pródigo... pois que, meses depois de afirmada a sua eternidade, colombina desfez e, matreira, se pôs a desconstruir as duas pilastras, o fogareiro, as mantas sujas e até a ponte. Acostumada, bem. Desafinado, o espetado pierrô sorriu tresloucado e retrucou, em brasa, que as juras dos cinquenta do segundo tempo se desfizeram em um ou dois dedos de água suja na taça de cristal. E nem me venha colar com esmalte! destroçada a fé do poeta com o santo graal dos grandes amores, se pôs a zumbizar pelas ruas da Urca, cambaleante e pedir ao sol de quarenta graus um pouco de clemência a suas têmporas de fritar ovo. Pipocadas de espinhas. Ruminante voz pálida do outrora, retrato em sépia do que foi, vem cá e abraça, enlaça. Vê com tuas lágrimas que hoje possuem um par d'olhos, e não o contrário, que a felicidade está no abrir do portão. Me traz a chave. Esfacelado, quero que saiba: mesmo com todo o resto em bom tom, sou riso morto e brilho perdido. E, sem desafinar, declaro que nos teus braços até a ponte que caiu seria castelo.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A angústia de quem vive

O teu desespero, quebranto, esgoela em prece a dor qualquer. Pois grita, em fá, a morte em vida, o teu penar, o teu escárnio. A doce esculhambação. E humilha, enguia, o teu ato de despudor e morticínio. Tu mataste dois. Estica as canelas, cola os joelhos, põe teus pés no chão. Respira fundo, rascunho de mulher. Solta teus dedos, presos uns aos outros, espalma as mãos e explica, vai. Me conta dos teus nãos, dos teus gritos, dos teus alentos. "Não repita isso com ninguém". Lava a alma, canta e bate perna por aí. Conversa com tua algoz maior. Ouve o retrocesso. Abre o espírito, ouve quem já foi! só o morto em vida sabe contar. Flechado de cima a baixo, com o pescoço preso por garrote vil, ele detém o diamante mais puro e desejado. Com sua gema gêmea desaparecida prematuramente, o mineral bebe e come todo dia o teu sofrer, colombina, sem pestanejar. E, diamante que era com cor de diamante, toma rubros tons e se faz encarnado. É o peito sangrando do poeta, é a prole desfeita, é meu ouvido entupido, é teu ouvido de mercador. Tua palavra vazia, tua mão tão fria, teus cigarros, teu cálido perdão. Uma ova. O diamante, que ontem só te dava a especiaria que é o amor verdadeiro, hoje controla o corpo do herói e afasta quem quer lhe afagar. Embebeda a mente, descrente, e faz o sonho desmoronar. Pierrô daquele que cria elos até demais. A eles, fadados à eternidade, o penar será reservado mesmo no dia da vitória final.