quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Calabouço

Um dia, menino, saudei o destino e bradei:
Cá, pedregulho, erguerei lá no alto o meu orgulho!
E avistei, no alto da pedra, um grisalho gavião
Que caçava, esguio e impávido, bravatas pelo chão

A primeira bravata, o nó de gravata, comprei no saldão
A segunda bravata, a prosa barata, ganhei de um irmão
A terceira bravata: ninguém me escapa. Sou forte e sou são!
Quão ingênuo, gavião! A sorte em prata, dessorte, não é o meu forte.

E contei moedas por aí, desafiado pela velha rapina a erguer castelos de areia
A espreitar como em um jogo de tênis as oportunidades
Procurei a sina das eternidades, a vocação para as permanências...
E só encontrei perenes e vãs maledicências

Descobri a felicidade bem longe da velha montanha
Com o gavião empalhado na sala de estar
Do outro lado do meu mundo, fecundo, alentei prosas e versos
E, em um cotidiano ao revés, pérfidos retrocessos

Não é mole viver quebrando pratos
Sem bravatas, sem promessas vãs
Sem a arte falastrã das eternidades de botequim
Com pressa, com fome, com ardor de amor

E hoje, crescido, saúdo o destino sem ter o que bradar.
Amo o que fiz, o que faço e o que hei de fazer
Mas amo, sobretudo, o insistente dar errado dos maiores sonhos
Sonhos que vão, sem duvidar. E, se ainda fizerem sentido, voltarão.
Brados de poesia e ilusão, de iluminar o meu porão, de lume e clarão



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